GUARDA DE CONGO SÃO BENEDITO E NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

“Na época que eu vim pra cá, eu não me lembro de ter Congado aqui, não me lembro. Então, quem fundou o Congado aqui, a primeira vez, foi o Zé Francisco. Como que foi a fundação desse Congado? Ele fazia muita festa junina, sabe? Era festa mesmo, junina, pra gente participar. “Nó”, era bom demais. Entendeu? A gente fantasiava de não sei mais o quê (risos).” – Dona Odete, capitã-mor e fundadora da Guarda.

HISTÓRIA DA GUARDA

PELA PALAVRAS DA CAPITÃ-MOR E FUNDADORA DONA ODETE

Trechos retirados do livro 30 anos da Guarda de Congo São Benedito e Nossa Senhora do Rosário: Artes de Rezar na Cabana do Pai Tomás

“Na época que eu vim pra cá, eu não me lembro de ter Congado aqui, não me lembro. Então, quem fundou o Congado aqui, a primeira vez, foi o Zé Francisco. Como que foi a fundação desse Congado? Ele fazia muita festa junina, sabe? Era festa mesmo, junina, pra gente participar. “Nó”, era bom demais. Entendeu? A gente fantasiava de não sei mais o quê (risos).”

“Nossa, mas era bom demais. Nós dançava quadrilha, tinha, sabe? Quadrilha, tinha muita coisa. Tinha um baile na casa dele toda segunda-feira. Eu, quando trabalhava, aí, então, o povo já sabia, depois do trabalho ia pro Seu Zé, porque tinha baile. E aí um dia na festa junina, terminou, nós tava limpando o terreiro, né? Aí nós falou assim ‘engraçado, né, num tem nenhum Congado aqui, que tal, vamo tentar fazer um Congado?’”

“Então, é… e foi muito bom, nós viajou muito, viajava demais, sabe? E, então, eu dancei lá 16 anos.” 

“E hoje eu tô deixando esse recado: a partir de hoje eu não faço parte mais da Guarda. Não danço em qualquer outro Congado, se eu não entrar em outras, eu faço a minha. Mas nunca deixo o meu rosário, meu rosário eu vou levar até o dia da minha morte. Esse eu não vou lamentar nunca. Porque eu não coloquei uma pessoa pra aparecer, eu coloquei pra somar mais um.”

“É aí que eu fui resolver formar minha Guarda.O meu pai estava adoentado, numa situação mais crítica e estava ficando em casa. E ele pediu a mim e Lalado que, se ele melhorasse, tudo tranquilo, a gente ia festejar três dias na festa de Bom Jesus. Agora, se visse que não dava, nas palavras dele, que ele iria festejar lá no céu e que eu ia festejar aqui na Terra. Que se ele fosse, que queria ir pra festejar no dia dele, e aceitei o pedido dele. Porque ele faleceu no dia 10 de outubro, bem no dia da Festa do Rosário. E eu continuei com o meu legado, mas formei a guarda depois de três anos após a morte do meu pai e assim continuei. Os irmãos, eu tenho 14 irmãos, mas só três famílias é que ainda seguem esse rosário.”

“Até hoje, em todos os lugar que eu apresento eu falo ‘A minha Guarda é filha da Guarda do Seu José’ porque foi de lá que eu comecei. Porque na época do meu pai a gente acompanhava, mas não fazia parte, assim, né? Então eu nunca neguei. A minha Guarda é filha da Guarda dele.”

DOCUMENTÁRIO: 30 ANOS DA GUARDA DE CONGO SÃO BENEDITO E NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

No documentário, que aborda a história dos 30 anos da Guarda de Congo São Benedito Nossa Senhora do Rosário da Cabana do Pai Tomás, Dona Odete, capitã-mor da Guarda, conta sobre o surgimento da Guarda, suas imbricações na formação do território do Cabana do Pai Tomás e um pouquinho de sua vida, em uma conversa cheia de sabedoria e emoções.

DEPOIMENTOS

1ª Entrevista com os integrantes da Guarda de Congo de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário

L: … você sobre a guarda, algumas coisas. O pessoal já até fez algumas entrevistas também com o Diego, com o Júlio, com a Júlia, com a Jéssica também. A Jéssica sugeriu para a gente conversar com o Jalvert também. O pessoal conversou até lá no CEFET-MG, onde ele dá uma aula de percussão lá nas sextas-feiras. A gente se encontrou com ele lá. E aí, essas conversas são pra gente ter alguns elementos que contribuam para um material como esse livro que a gente fez esses dias, que uns dias aí pra trás a Jéssica viu com a Dona Odete. Ele foi de uma primeira conversa que a gente fez, mais inicial, essa aqui vai ser a ideia para outro livro, que vai ser o livro mais completo, que aí vai ter os depoimentos de mais pessoas, né? Sim. Essa é a ideia. E aí, a gente está começando pedindo para as pessoas contarem um pouco sobre você. Contar um pouquinho sobre quem é Carmelita, onde você nasceu, onde você vive, o que que você faz e pensando também como que na sua história de vida entra o Congado, qual que é o sentido e o significado na sua vida.

C: Aí o Congado veio um pouquinho depois da minha trajetória, já estava mais velha assim, o Congado é a minha mãe. Mas assim, a minha vida inteira foi participar junto com meu pai e minha mãe de alguma coisa. Ou é da igreja, ou é que meu pai era da associação e participava muito, vinha muito com ele nas reuniões. Então a gente fica interagindo naquela questão. Essa é uma das funções dos filhos únicos, apesar de que minha mãe e meu pai adotaram, cuidaram de várias crianças, no qual ficou Jéssica e o Eliton. E assim, no decorrer, eu participei, eu estava com nove anos, entramos na guarda de Seu Zé, que é onde eu vi um pouco do congado.

Eu via falar do meu avô, que ele fez muito mesmo. As histórias que minha mãe contava da roça, que antes a mulher não participava de Congado, eram só os homens, as mulheres normalmente ficavam na cozinha. Então a gente tinha uma visão mais ou menos. Então eu participei de várias coisas referentes a antes de entrar totalmente do Congado. É cruzadinha, é coroação, então é tudo voltado para a igreja.

E no Congado, que surgiu uma conversa de quadrilha, a gente começou a dançar na Guarda de Seu Zé. Lá na Guarda de Seu Zé, eu dancei por volta de uns quatro anos, e depois saí. Depois só voltei pra Guarda de Congo de novo em 1993. Então, eu comecei a participar. Mas ali eu já comecei a participar como capitã. A minha mãe era a primeira, a capitã-mor, e eu a segunda. Então, a gente participou de várias coisas, né? De vários lugares que a gente começou a ir. Aí, tinha que entender o que era a Federação dos Congadeiros, pra saber o que eu podia fazer, no que a gente podia encaixar. Do que estava fazendo certo, do que estava fazendo errado. E ali a gente foi. Aí chegamos ao ponto de vários lugares, de vários acontecimentos. Participamos de escolas. Não fomos muito felizes em escolas, não, porque as pessoas ainda não vêem o congado. Até hoje ainda vê o congado numa outra dimensão. Então, assim, às vezes as palavras são muito ruins, né? As palavras que às vezes até machucam, mas a gente não deve nem levar em consideração de ter que ir para frente. E aí veio a sequência de eu ser, de largar a função da capitania e passar para a coroa. É onde eu fui para a coroa perpétua. E nesse período de coroa perpétua, depois que meu pai faleceu, foi um dos motivos que eu peguei a coroa, foi depois que o meu pai faleceu, que ele era um Rei Congo. E também peguei a presidência da guarda. Então, a gente contou com a presidência da guarda até hoje. Daí, de rainha perpétua, a nossa Rainha Conga também veio a falecer. E aí, como nenhum filho dela quis pegar a coroa, eu peguei a coroa. Então, daí por diante, virei Rainha Conga. 

É um trabalho bem gratificante, mas, assim, a gente encontra várias batalhas na frente. O Congado ainda luta com muita dificuldade. A gente vê que a maioria das coisas, a maioria dos grupos culturais, eles têm um apoio maior do que o Congado. E tem guardas que têm mais de 100 anos, e não tem esse apego para elas. Então eu sinto que necessita. Às vezes a gente vai em reunião, eu mesmo, porque eu mais participo de reunião e vejo essa falta de interesse das pessoas com o congado. E é um grupo que

leva, que pega da criança, aliás, do ventre da mãe até a bengala do vovô e da vovó. Então é um grupo que tem resistência. Mas assim, eu vejo na minha visão que precisa ainda de mais amor em função do congado. As pessoas têm que ver que o Congado faz parte da igreja, ele vem de um louvor muito grande a Deus e a Nossa Senhora, e a São Benedito principalmente, então assim, falta muita coisa ainda para a gente ver ainda para frente. 

L: E aí, você falou dessas funções que você exerce de presidente, Rainha Conga, e aí você era Rainha Perpétua, ainda é? Ou é só Rainha Conga? Quando você virou Rainha Conga, você deixou de ser Rainha Perpétua? 

C: Sim, quando eu fui Rainha Perpétua, eles tiraram. No caso, a gente é descoroada, a gente é descoroada da Rainha Perpétua para tomar a coroa de novo como Rainha Conga. Então, quer dizer, eu descoroei e coroei em vida, né? Porque, normalmente, as pessoas são descoroadas quando infelizmente falecem, né? Mas no meu caso porque a nossa Rainha Conga tinha falecido, e eu sendo filha do Rei Congo pude pegar, como a família da Rainha Conga não quis, né? Diz que não tinha como pegar essa coroa, então eu peguei. 

L: E qual é a função da Rainha Conga? 

C: A rainha conga é a que fica ali, né? Aqui, eu vou dizer a verdade, assim. Aqui nós temos um pouco de diferença dos outros reinos, né? Aqui nós todos temos a mesma, praticamente quase a mesma função. Todos somos um pelo outro. Então, assim, a rainha Conga em outras guardas, a rainha Conga, ela é a majoritária nela, ela fala, as pessoas obedecem, aquela coisa toda. Mas nós aqui, eu até falo, brinco muito com a minha mãe, quem tinha que pegar essa coroa era minha mãe, mas ela nunca quis pegar a coroa, né? Porque a gente tem o respeito por ela, ela é a Capitã-mor, e eu sou a Rainha Conga, mas a gente tem respeito e dedicação a ela, por ela ser a mais velha. Então a função que é minha, no caso, seria mais pra minha mãe, que eu acho muito gratificante pela minha idade, pela idade dela. Acho que ela tem mais sabedoria do que eu. Então, essa é a função. A Rainha comanda todo o reinado. Ela é, como diz o outro, a mãe. Ela é a mãe de todos.

Todas as questões da festa e tudo, quando as pessoas vêm visitar, tudo chega até a rainha conga. Tem aquela dedicação à rainha conga, mas aqui internamente, internamente na nossa guarda, nós dedicamos esse momento à minha mãe Odete, que é a Capitã-mor. Nós temos um pouquinho assim essa diferença.

L: E a função da Capitã-mor seria qual? Já entendendo que na guarda de vocês tem essas peculiaridades. 

C: Minha mãe, no caso, como ela é a capitã-mor, ela é que puxa os cantos, ela é quem organiza a capitania, no caso, organiza os meninos para dançar e tudo. Ela é quem determina. Se ela sai um pouco de dentro da guarda, tem que ficar alguém para cantar. Mas ela também colocou um jeito diferente também. Não quer dizer que se ela sair, que é só a segunda-capitã que canta. Não, ela dá permissão para que os dançantes cantem também, para dar descanso um ao outro. Então, canta Jéssica, canta Evelyn, canta Júlia, às vezes põe caixeiro também para cantar no meio. Então, essa é a nossa guarda. Nossa guarda é um pouco meio dinâmica. Eles falam que a gente é um pouco diferente mesmo. Mas é porque a gente se acostumou, assim, desde o princípio. A gente começou assim. A gente saiu de dentro da igreja. A nossa guarda em si, ela saiu do coral. A guarda do Seu Zé saiu do movimento de quadrilha. E a guarda da minha mãe, além de um pedido do meu avô no leito de morte, também saiu de dentro da igreja, de um coral. Uma conversa que o meu pai tinha e ali na época, infelizmente, nosso primeiro presidente já era falecido, como meu pai também. Então, assim, reuniu ali, “ah, vamos montar um congado, então, já que a Odete tem essa missão, vamos ajudar ela a montar o congado”. Então, tem essa ligação com a igreja. Então, nós, todas as coisas que a gente vai fazer, a gente faz também e participa dos movimentos da igreja, entendeu? Então assim, é a nossa diferença um pouco, talvez. 

L: E assim, e você acha que por que essa diferença? Você acha que tem essa questão de vocês terem vindo da igreja, do coral, e aí assim, é porque vocês liberam, por exemplo, todo mundo cantar, porque todo mundo gosta, porque todo mundo sabe, canta bem, ou isso é num sentido também de como você falou também que a dona Odete deixa outra pessoa cantando porque a outra pessoa pode descansar também. É mais nesse sentido também de vocês serem um grupo que querem ver o outro bem? Quando a pessoa precisa descansar, “pode descansar, outra pessoa canta”. Como é que é assim? É por que essa diferença? Que é mais dinâmica, mais livre assim? 

C: Ah, eu acho que é mais porque primeiro que os meninos gostam, né? A gente sente neles que eles gostam. E primeiro, o aprendizado, porque, muitas vezes, a gente escuta muito falarem assim: “ah, fulano morreu, mas não deixou legado. Não ensinou aquilo”. Então, tem essa preocupação também. o nosso objetivo é, Deus nos livre e guarde, mas se um de nós for, tem um legado. Aquele ali aprendeu. Ele aprendeu como fazer, porque não deixamos só para uma pessoa fazer. Então minha mãe sempre teve esse cuidado. E é esse cuidado que temos que ter. Porque senão, Deus nos livre e guarde, um falecer, acaba. Porque não deixou legado, não deixou aquilo pra pessoa aprender. Então, assim, é necessário isso. Tem que ser, acho que tem que ser dinâmico. É por isso que eu falo, nós somos dinâmicos, né? Cada um faz uma coisa. Eu mesmo, enquanto presidente, eu falo “ô gente, cês tem que dar um jeito nas coisas, porque eu não vou estar aqui para sempre não”, vai que, né? Já aconteceu quase. Então assim, temos que aprender. Para a gente não ficar na mesmice também, né? Se precisar de um aqui, o outro corre ali e tal. Então essa é a função, é participar mesmo. A função é participar do Congado, mas não deixar suas funções religiosas, que muitos deixam. E a gente não deve deixar. Não pode deixar nunca, né? A fé é a alma da situação, da vivência da gente.

L: Então, bacana. E aí, você tá falando aí, acho, da função de presidente também, que eu acho que aí você tem essa função também de ir nas reuniões, na Federação, dependendo ir na prefeitura, conversar com o vereador, com a vereadora, alguma coisa assim, né? Digamos, uma movimentação política, assim. E como que é para você fazer essa questão refletindo sobre isso que você falou, também desse pouco reconhecimento que você vê por parte do poder público com a guarda? 

C: Bom, eu participo assim, participo mais da questão da Federação. Conversar com o vereador, essas coisas muito pouco. É porque eu tenho uma certa, não sei, acho que tem hora que eles, para te ajudar, querem sempre uma coisa em troca. E eu não sou favorável a isso, principalmente em termos religiosos. Eu acho que para mim, se tem uma ajuda, se tem que fazer, ele tem que fazer porque é de direito, não porque eu tenho que pôr minha turma para fazer eleição para eles. Eu acho isso fora do contexto, eu não sou chegada mesmo. Então quando eu já cheguei aí em reuniões, nossa, por princípio da guarda mesmo, a gente se reunia com a Zazá Schettino, foi a primeira que nos ajudou a montar o uniforme e tudo mais. E é uma pessoa que a gente lembra eternamente, porque quando ela fez, ela fez, porque ela achou interessante, não pediu nada em troca e fomos embora. Foi ela que nos ajudou no primeiro passo.

L: E ela não foi vereadora com uma base aqui na Cabana, no Gameleira? 

C: Não, ela não tinha base aqui. O marido dela que tinha, o Carlos Schettino. Acho que, na época, já era até deputado, não sei. E ela era vereadora. Então ela vem com uma base tranquila, serena, gostou do movimento e tudo. Bastou entrar uma outra pessoa ligada a eles lá, já mudou a figura. Então nunca mais a gente ouviu falar na Zazá, o que nos deixou assim … E aí a gente pegou e falou. Foi nesse objetivo que a gente colocou na mente o seguinte: “se a pessoa vier ajudar, sem interesse político, beleza., mas se tiver interesse político em cima daquilo, não é nosso objetivo”, porque sempre está cobrando uma coisa que às vezes você não pode cumprir. Eu, enquanto presidente, sou elétrica mesmo. Eu falo mesmo, não tenho partido certo, que para mim é… Hoje eu estou do lado que eu estou vendo que está favorecendo o povo, mas eu vou, eu voto. Mas se eu vejo que não está me agradando também, eu vou lá e falo, não, isso aqui que você prometeu, eu não tenho nada a ver com isso, não. Então por isso que eu não me envolvo muito, porque eu sou crítica nesse ponto. Mas a gente precisa sim, a gente está precisando do movimento público para ajudar não só a minha guarda como todas. Que é que desde Belo Horizonte a gente não tem esse reconhecimento. A gente tem, né, que municípios pertinho, que é Contagem, Betim e outros municípios mais perto, que têm uma ajuda da prefeitura, que têm uma… não totalmente ajuda, mas têm. É decretado ônibus, quantos ônibus por mês e tal. Nós não. Inclusive quando alguém do interior que a gente fala “provavelmente não dá pra ir na festa de vocês, porque a gente não tem dinheiro suficiente para pagar um ônibus”. “Como assim a prefeitura não dá?” “Não”. Então, às vezes o ônibus, aí hoje, para você ir em contagem. Você já está pagando mais de mil reais. Então, você tem um grupo. O grupo é pequeno. Aí tem que dividir entre todo mundo ali. E se todo mundo, a metade não tem, normalmente a guarda tem que assumir. Se a guarda não tem o dinheiro, é o dono da guarda que assume. Então, no caso, seria minha mãe. No caso, é nós aqui de casa, que é o grupo maior. Que aqui em casa é o grupo maior. Então, assim, fica muito apertado. Então, nem sempre a gente pode cumprir as nossas obrigações. Então, é aí onde eu falo que eu me sinto falha enquanto presidente. Mas eu vejo também que a situação não é só minha. Eu vejo que está geral dentro de Belo Horizonte, as guardas em geral reclamam a mesma coisa. Hoje, para você fazer um evento, para você fazer uma festa, igual a gente saiu de uma festa, você tem que promover eventos durante o ano, para você também ter alguma coisa. 

L: Para ir arrecadando, né?

C: Isso, então, assim, e aí a gente vê uma coisa mais escandalosa, talvez fugindo do nosso tema aqui, mas olha pra você ver, você saber que um grupo de quadrilha, por conta do forró de Belo Horizonte, hoje já estão ganhando 17 mil, o grupo pequeno que está começando, ganha 17 mil pra fazer seu evento. E um grupo que já tem mais de 30, até 100 anos, dentro de Belo Horizonte, tem que ficar fazendo eventos para adquirir alguma coisa para fazer a sua festa. É muito difícil. Você vê como o poder público olha ainda o retorno financeiro. Para eles, o retorno financeiro é muito mais valioso do que um retorno da fé, um retorno de unir pessoas para fazer um movimento bonito, de louvar a Deus e a Nossa Senhora. Sempre tem obstáculos. Se você vai fazer uma procissão, você tem obstáculo para fazer, você tem que pagar um alvará absurdo. Além de você pagar hoje até a igreja, a igreja agora já foi… Antes ela era livre, ela não pagava imposto, agora já paga, já tem que pagar o alvará. E aí você tem que… é mínimos e mínimos detalhes, ainda tem mais. Costumas não vem fechar, é você que tem que fechar. Então, assim, olha pra você ver o tanto de dificuldade que se encontra em relação à fé, né? E outros objetivos não tem. Então é muito triste a gente ver ainda essa falta de interesse com a religião em si. 

L: E como está esse movimento? É dentro da federação que vocês reúnem ou se reúnem pra reivindicar essas coisas? E como está a federação atualmente? Tá tendo reuniões? Tem muito tempo que não tem? 

C: Nossa federação até é complicada, porque nós tinha uma que a gente ia frequentemente.

L: Era a Federação Mineira de Congado?

C: É, a Federação Mineira de Congado, que foi eliminada porque ela estava lá no Floramar. E aí, aquela falta de entendimento, de não explicação para as pessoas, que tinha que fazer a tal de isenção do leão lá, de impostos de renda, não foi feita. Então, foi perdido, perdeu o espaço. O espaço foi a leilão. Aí fizeram o Cetro. Só que o Cetro hoje também não tem uma localidade, por enquanto. Eu não… Eu tava indo, nós tava indo em um lugar que era pro lado ali da Rua da Bahia, né? E já tem um tempo que a gente não tá indo. Mas sei que o presidente e tem a capitã, que é de uma outra guarda que é da equipe financeira, ela está em movimento, mesmo às vezes não tendo reunião, ela está em movimento para fazer essa área e essa questão desses dinheiros que está vindo para a cultura, porque que não vem até os congadeiros, qual que é situação, porque que quando chega aqui em Belo Horizonte, só vai para os outros municípios e não chega em Belo Horizonte. Então, tipo assim, não está tendo aquela totalmente uma reunião específica, mas estamos todos. Ela fez um grupo onde está nos falando tudo que está acontecendo. Inclusive, me parece que tem até uma… Ela era vereadora Macaé, agora ela é deputada, né? Macaé, que está envolvida nisso tudo. Então assim, espero a Deus que realmente possa estar voltando as nossas reuniões mesmo, porque a gente precisa ficar ciente de tudo que está acontecendo. E também para poder ajudar quem está lá, que tem poucas pessoas que estão indo, porque a reunião resolveu fazer um grupo pequeno, que dependendo da situação é preferível um grupo pequeno que um grupo grande, para resolver determinados assuntos, para a gente ter nosso sede de novo, nosso sede que a gente pode que a gente possa estar fazendo nossas reuniões aqui dentro de Belo Horizonte. Que era, essa sede era mineira, no caso ela reunia todos, não só o pessoal de Belo Horizonte, era todos do município também. 

L: Ah, beleza. É, eu acho que aí, voltando agora um pouco naquele assunto, que acho que a gente foi pela questão da presidência, do reconhecimento, e aí sobre a história um pouco da guarda, contar, pensar um pouco na história da guarda e o sentido que a guarda tem aqui pra Cabana assim, pra história da Cabana também. 

C: Bom, eu costumo dizer que a Cabana é dividida, né? A Cabana é realmente um grande aglomerado. Nós aqui, no caso eu falo Cabana de Cima, a gente tem essa importância por ter duas guardas aqui, né? Que a guarda do Seu Zé, que é a mais velha, e a nossa. É muito gratificante, sim, o momento da gente ter, da gente por nossa farda e sair pela rua cantando, né, com as meninas, com a empolgação na caixa, e saber que ali também a gente tem uma história de meu avô. História de meu avô ali. E ver minha mãe cada dia que passa mais parecida com ele ainda é, mais ainda assim, eu que tive uma convivência com meu avô muito grande, então se dá mais vontade. É muito difícil falar em relação à guarda aqui no Cabana, porque nem todo mundo é ligado. Ainda tem aquela… Não sei se é rejeição ou preconceito, sei lá, não sei dizer o que. Mas não é todo mundo que gosta. Às vezes as pessoas confundem, ainda confundem muito. Mas, mediante os que não gostam e os que gostam, nos ajudam a ir para frente. Porque os que gostam nos ajudam muito. Sempre está aqui nos textos, a gente faz os textos, a gente faz tudo o que a gente faz aqui. Porque acabou que a gente não faz só a festa do Congado. A gente levanta a bandeira de Santo Antônio, a gente levanta a bandeira da Nossa Senhora Aparecida junto com a festa de Nossa Senhora Aparecida de Fátima. Então, assim, acaba a gente se envolvendo em tudo. E tudo que tem. Teve uma vez na festa da paróquia, que nós fomos. Então, sim, é… Acaba de nós estarmos juntos. Não tem como não estarmos juntos. Esses 30 anos foram conquistando esse espaço e esse espaço está aí. Pessoas saíram, outros entraram. Dizemos que quem fica mesmo é quem é do Rosário. Quem não é do Rosário, se vem só pra ver como é, acaba ele indo embora. Mas quem é do Rosário fica. 

L: E o que é ser do Rosário? 

C: É louvar à Nossa Senhora. É ter fé em Nossa Senhora. Como se diz aquela história, né? As contas do Rosário, se você conseguir rezar o Rosário, você tá ali. E é onde a gente sempre pede que Nossa Senhora do Rosário nos cubra por seu Rosário e por seu Manto Sagrado, que ela é a mãe. Eu falo que Maria tem vários títulos, cada qual se apega no título que Maria, eu tenho muito, apreço a Nossa Senhora Aparecida, porque é minha madrinha, mas também Nossa Senhora do Rosário. Eu nem sabia o quanto eu tinha a apreço a Nossa Senhora do Rosário, até saber que na bandeira de Nossa Senhora do Rosário tem um rapaz… Tem um rapaz ajoelhado e ao saber desse rapaz ajoelhado, o nome dele é São Domingos. E eu nasci no dia de São Domingos. Então, ao entender o porquê que eu tenho essa devoção à Nossa Senhora do Rosário, já vem dessa… Às vezes a gente faz, nossa, não tem nada a ver, mas tem. Tem uma coisa que te puxa. Tem uma coisa ali que… que te comove. Então, ali você sente aquele fervor. Quando você está cantando a música, às vezes você está no… A gente já foi em lugares, até mesmo aqui na comunidade, pessoas estão acamadas, estão tristes, estão isso. E de repente minha mãe surgiu com uma música do nada que a gente nunca ouviu. Tem isso também, tem esse dom que vem, e a gente canta e dias depois de saber que a pessoa está melhor, está andando, tal e que. Então, por isso que a gente é gratificante demais. Significa que o poder da oração, através da música, ainda é muito forte. Ela ainda resgata as pessoas doentinhas, as pessoas que estão tristinhas, lá em frente.

L: E o que mais de espiritualidade, dessa religiosidade que você vê que a guarda… Porque vocês frequentam a igreja católica, semanalmente, às vezes até mais que uma vez por semana, tem as questões da igreja. E como que o Congado também completa essa questão da espiritualidade para você, na sua vida?

C: Ah, muito! A gente acaba de conhecer várias coisas, né? Eu costumo dizer igual… Eu sou mista, né? Eu vou na Igreja Católica, gosto muito, sou até coordenadora do dízimo, mas já fui muito do lado que meus irmãos do Espiritismo chamam, já fui conhecer também. Então, assim, eu vejo que esses dois lados se unem, as espiritualidades se une com tudo. E na igreja, é puxa! Eu gosto de estar lá. Eu particularmente gosto de estar lá, de estar fazendo os andores. Igual agora foi da coroação, coloquei lá. Tive o prazer de ir lá e colocar as florzinhas, enfeitar. Para mim, esse lado de estar mexendo com a mãe, para mim é muito forte. E depois da vivência, depois de estar praticamente morta, bem dizer morta, e voltar à vida, Deus permitir que eu voltei à vida, eu enxerguei isso mais ainda. A minha dedicação seria total aos movimentos do Congado da Igreja. No entanto, eu posso estar apertada do jeito que for. Não sei, eu quero enfeitar meus andores, eu quero fazer o que eu tenho que fazer, é minha responsabilidade que eu tenho que fazer. Eu não sei como que eu consigo, então pra mim isso vem exatamente da fé. Porque se a gente não tem fé, a gente não consegue. A fé é a melhor coisa que a gente tem. E se a gente tem fé pra fazer o necessário, a gente não sai daquilo, a gente continua naquela missão, naquela espiritualidade, né? Às vezes a gente vê coisas que a gente não quer ver, mas Deus nos dá uma direção do que fazer. O que a gente pode fazer, o que a gente pode estar ajudando as pessoas, no sentido mais tranquilo. Não sei se eu respondi totalmente, mas é um sentimento de dentro. É um sentimento de dentro. Só na hora a gente vê o que a gente tem que fazer e o que pode ser feito. Para muitos são o Congado e a igreja. Mas tem outros irmãos de Congado, que é o Congado e o lado espiritual do terreiro. Então, o Congado fica no meio dessas duas áreas. E muitas das vezes, a nossa guarda aqui, muitas não conhecem esse outro lado do terreiro, porque não conviveu, conviveu sempre na igreja católica. Então, assim… quando a gente é convidado para algumas festas, às vezes essas festas dentro do terreiro, eles ficam meio assustados de saber o que que está acontecendo. Aí como sempre, tem que ter um para explicar, né? Normalmente é um negócio assim, assim assado, entendeu? 

L: Igual o pessoal que veio aqui na festa agora vai na igreja, vai ali na igreja e tal, quando vocês às vezes vão em outra, vocês vão no terreiro assim, ou alguma coisa relacionada à religiosidade que aquela guarda tem? 

C: É isso, porque normalmente tem guardas que… a sede delas é dentro de um terreiro. Às vezes não tem outro lugar, tá? A sede é dentro do terreiro, a gente percebe. Mas a gente fica como se a gente não percebeu. A gente entra tudo que tem, realmente tem pessoas que… que ficam meio… tem essa rejeição, né? Mas eu acho que é devido a muitas coisas, as pessoas falam muitas coisas sem entender, falam muitas coisas sem saber, como fala do Congado sem saber também. Então acaba complicando a convivência. E a gente tem o respeito, esse Congado tem o respeito pelo povo espírita, por quê? Porque na época lá que foram proibidas a entrada, que começaram a caçar os instrumentos e tudo, quem guardou os instrumentos do congadeiro foram justamente os nossos irmãos espíritas, que enfrentaram de frente a igreja em si. Eu até falo com o pessoal, nossa, se a gente fosse olhar ao pé da letra, nem nós poderíamos entrar na igreja. Mas como a gente não é assim, a gente tem que ter essa resistência, porque a igreja também é a nossa casa, então a gente jamais pode deixar fechar de novo. Jamais. Então, assim… É essa questão que a gente tem que sempre estar de frente, que a gente tem que estar sempre observando. 

L: E aí aproveitando essa questão já, pensando na relação da igreja, e a guarda de vocês, ela já teve relacionada a uma paróquia, hoje está em outra, como é que é essa história assim? 

C: Ah, foi muito difícil de dividir. Difícil demais dividir. Porque… quando minha mãe e meu pai vieram para cá, eu tinha sete anos de idade. Estava completando… ia completar oito, assim, aí é o seguinte, a gente entrou nessa… aqui, né? Na Capelinha Nossa Senhora Aparecida, e logo em seguida, fizeram a Paróquia Cristo Luz dos Povos, que não tinha nome ainda. Então a gente a vida inteira, junto com os salesianos, que eram salesianos. E a gente a vida inteira com a Paróquia Cristo Luz dos Povos. A gente até tem a camisa, né? Nós íamos, participamos… depois que o Congado surgiu, a gente participou de vários movimentos que teve na Paróquia Cristo Luz dos Povos. Então, praticamente antes da pandemia, três anos parados, então vinte e seis anos com a Paróquia Cristo Luz dos Povos. Aí de repente dividiram a paróquia, onde ficar? A nossa comunidade poderia, tanto faz, descer para a Paróquia Cristo Luz dos Povos ou ficar com a Paróquia São Francisco de Sales. Mas como nós já estávamos aqui em cima mesmo, nós preferimos ficar com os salesianos. Porque nós tínhamos uma convivência mais aberta com os salesianos. Agora nós temos que mudar a camisa. A paróquia salesiana tem agora, acho que faz dois anos. Então ela tá novinha em vista de nós. Tanto faz os paroquianos, e os grupos de movimento que são mais velhos em si do que a paróquia. Mas está sendo uma experiência tranquila. 

L: E essa paróquia, a Cristo Luz dos Povos, ela não é mais salesiana, e aí vocês ficaram com a paróquia salesiana Francisco de Salles? 

C: Isso, é porque a outra paróquia ficou com arquidiocesana agora, ela é arquidiocesana. E continuou com o mesmo nome, Cristo Luz dos Povos, e nós continuamos com salesianos. São Francisco de Salles, a gente até achou uma surpresa seu nome, parece que ia ser outros nomes baseados no São João Bosco, mas aí acabou sendo São Francisco de Salles, que todo mundo ficou encantado porque ele fez 400 anos, me parece, de festa dele e aqui, acho que no Brasil não tinha, Paróquia São Francisco de Salles. Então a nossa é a primeira, a primeirinha, acho que dentro do Brasil. Então assim, tá gostoso, né? Tendo que começar tudo de novo. O pároco é novo, quando ele chegou aqui tinha cinco anos de padre, é o padre Paulino. Então ele pediu muita ajuda, procurou saber o que tinha, o que não tinha, o que pertencia à paróquia dele. Então a gente está em construção. A ideia foi a primeira festa, a nossa festa dentro da Paróquia Salesiana São Francisco de Salles, foi a primeira festa. 

L: Isso aconteceu quando, essa divisão? Tem pouco tempo? 

C: Há pouco tempo. Esse ano fez um ano. O ano passado. É, janeiro de 2022. É, janeiro de 2022. 

L: E aí você disse que essa foi a primeira festa porque durante a pandemia… 

C: Não tivemos festa. A gente só fez pra chamar as pessoas mesmo, foi a primeira. No ano passado a gente fez um levantamento da bandeira simbólica. Assim, não fizemos chamando ninguém de fora. Mas então, pra ser a primeira festa mesmo, foi agora. 

L: Uhum. 

C: Aí hoje em dia…

L: Uma festança… 

C: Uma loucura mesmo, esperar 8 pessoas, chegarem 13, é uma loucura. Mas, graças a Deus, deu certo. Um pouco de atraso que não tem como. É muita gente para almoçar num espaço que ainda é considerado pequeno, que é outra coisa que a gente não tem aqui. A sede da guarda é a casa. É a casa, né? Então é onde a gente fala que é sede provisória, né? Que a gente não tem uma sede própria. E é onde que a gente poderia, que a gente achou que poderia ser que era aqui próximo, que a gente chamava de centro cultural, não sei o porquê, como que foi a conversa, mas que virou agora vai ser creche. Então aí a gente perdeu esse espaço. Porque como você vai fazer o movimento no lugar que vai estar cheio de berço, e aquela coisa toda, então a gente não vai ter mais espaço. Então assim, a gente vai ter que continuar aqui mesmo, no apertamento mesmo, ver o que você vai fazer para o ano que vem. Como que a gente vai ter a dinâmica para ver se atrasa menos com relação a tanta gente que vem, graças a Deus que vem.

 

L: O bom é que… É um aperto bom. 

C: É um aperto bom, porque às vezes o pessoal espera muito e às vezes não vem ninguém, eu acho que deve ser um sentimento muito ruim. Você faz aquela expectativa e às vezes não tenta, então antes vem mais mesmo. Que Deus abençoe o que vem mesmo. 

L: E como é essa relação assim da paróquia, da igreja com a guarda assim de vocês? É uma relação tranquila, assim, no sentido de… Vocês são integrados à igreja, à paróquia, assim, de uma forma que sempre foi tranquila? 

C: A paróquia em si, igual a nós agora, nós temos sete comunidades, né? Mas o que a gente é mais engajada é na nossa mesma, na nossa parecida, que a gente tem todo um compromisso que a gente participa sempre, que a gente tá ali. Agora chegando o dia de Nossa Senhora Aparecida, a gente tem o dia certo para a gente fazer a nossa novena. Sempre a Guarda de São Benedito fica sempre no dia 5 de outubro, que é o dia de São Benedito. E a Guarda de São José fica no dia de Nossa Senhora do Rosário, que é o dia 7. Então a gente tem essa dinâmica. É o café, que fica por conta da gente. Então a gente tem sempre… Sempre a comunidade, quando tem qualquer movimento que dá pra encaixar o congado, tá sempre chamando. Os padres que vieram ainda, eles ainda não têm o conhecimento ainda da guarda. No entanto, a gente teve uma dificuldade com um dos padres na festa, mas que não vai acabar com o nosso brilho por conta disso. Mas o pároco, que é o Paulino, ele tem um saber de querer aprender, de querer lidar. Ele achou muito, quando ele chegou aqui no final da festa, que eu vi um pouco das pessoas que ainda estavam aqui, ele assustou: “gente, isso tudo?” “Isso porque você não viu mais cedo”. Então, assim, eu vejo que ele está querendo que a gente se abrange mais nas outras. A gente já participou da Dom Bosco, que também pertence à Paróquia Francisco de Sale, aonde tem também o Moçambique, que eu até estava esquecendo. Moçambique ainda é mais velha do que a Guarda dos Rosários, que é a nossa guarda ainda. Eles foram os primeiros. E lá na comunidade do Dom Bosco, eles fazem o que a gente faz aqui. O almoço, tudo lá, a procissão, tudo pela igreja. Então a gente vê que dentro da paróquia, São Francisco de Sales, há três congados, dois Congos e um Moçambique. Então, a gente vê que a gente tem, se a gente for olhar, a gente está quase no mesmo nível. São sete comunidades e três Congados. Então, a gente está dentro de um patamar legal. Acho que só precisa mesmo de mais reuniões, de estar conversando. Eu acho que isso a gente pecou um pouco, de não ter feito essa reunião antes, de estar conversando como que a gente é. A gente empolgou tanto da nova paróquia, da gente entrosar enquanto paroquianos, de participar dentro, igual a Jessica, além de participar do Congado, ela é catequista, ela mexe no grupo de jovens. Tem eu que também sou assim, minha mãe que é miceira, mas tudo que precisa dentro da comunidade Nossa Senhora Aparecida ela está lá. Então a gente tem esse movimento. A maioria do nosso pessoal que é daqui, né? Porque tem o pessoal de Itaúna, que é da nossa guarda, mas mora em Itaúna, então tem movimento lá. Mas os que são daqui, eu botei três integrantes que vão para outra comunidade, que é de Santa Luzia, que pertence a Francisco Sales também e moram lá perto. Então nós estamos ali, no meio desse grupo. Então no meio dessa situação mesmo. Então acho que, para os padres ficarem mais engajado com a gente, e a gente mais engajado com eles, a gente realmente vai ter que sentar, vai ter que conversar, chamar pra uma reunião mesmo, tá falando como que é, como deixou de ser. Pra eles também, nem eles ficarem perdidos, nem nós ficarmos chateados quando não acontece do jeito que a gente acharia que deveria acontecer.

L: E essa outra guarda que você falou é da Paula, do seu Jeremias? 

C: Isso, do falecido Jeremias. Ainda é difícil falar “falecido Jeremias”, ainda é difícil. Mas agora o que realmente assumiu foi Paula e a Silvia, que vieram na festa foi muito emocionante da gente, né? Tá ali. E foi a primeira festa sem “Jerê”. Era assim que a gente tratava ele, “Jerê”. E eles são mais velhos. E eles é que puxaram um pouco pra cá, né? Mas eles… Você vê que era tão difícil que tinha Paróquia Cristo Luz/Rei dos Povos aqui na época e eles iam pra missa na São Vicente de Paula, na Amazonas, olha o tanto que tinha que andar e o tanto que tinha que voltar, porque não tinha entrosamento aqui na paróquia. Aí depois, quando a gente começou, o Seu Zé começou, aí começamos a conversar, aí saíram de lá da São Vicente e vieram pra Dom Bosco, que é do lado praticamente do reino deles. Que eles têm o reino deles, né? Então é do lado praticamente. 

L: O Dom Bosco é perto do Colégio Salesiano, não? 

C: Ele… Mais ou menos, é perto da Acadepol. Do lado da Acadepol, até embaixo, eles estão um pouco acima. É uma igreja que nós chamamos de Dom Bosco. E ali a Guarda de Jeremias fica pouco acima da igreja. Então tá mais próximo a eles lá. Então a Nossa Senhora Aparecida aqui tem duas, que é a do Seu Zé e a nossa. E a comunidade Dom Bosco tem uma, que é do Moçambique. 

L: Ah, entendi. E aí, Carmelita, eu tenho, já encaminhando talvez para uns dois ou três assuntos finais, como você interpreta essa questão desse processo de apagamento do Congado dentro da comunidade, da Cabana, se é um processo que está mesmo em apagamento, e como que vocês fazem para resistir a isso assim, no sentido das pessoas enxergarem a importância do Congado na Cabana? E se você avalia dessa forma que eu estou te perguntando mesmo. 

C: É igual te falei, a Cabana tem dois sentidos, né? Do lado de baixo da Cabana, eu vejo que a apreço da Cabana lá é a capoeira. Tem, se me parece, de três a quatro mestres de capoeira. Tem o grupo do Buleia, que eu mais conheço, é o grupo do Buleia, que fica concentrado mais no lado de baixo. E nós lá de cima com o Congado. Então, do João Pires para cima, o pessoal sabe o que é que é Congado. Sabe que vai ter a festa do mês de maio e a festa do mês de julho, que é a de Seu Zé. E lá do lado de cima, que já pertence mais à Gameleira, já tem Moçambique, todo mundo sabe que é em setembro. Então, assim, o nosso miolo, que eu costumo dizer, o nosso miolo aqui, já está mais conscientizado do que tem a festa. Tem aqueles que não são bem simpatizantes no dia, eu percebo até que saem cedo, sabe? Mas a gente já se acostumou, né? Nesses 30 anos a gente acaba vendo quem gosta e quem não gosta. Mas também a gente fica… Acho gratificante que temos umas pessoas da igreja irmã. Eu falo que o pessoal evangélico eu chamo de igreja irmã. Que sábado é o dia da festa e… Fica tranquilo, sem a gente ter problema nenhum. A gente não tem problema. Nesses 30 anos, a polícia foi acionada só uma vez por um caso isolado. Então você vê que a gente vê que as pessoas, nesse dia, elas vêm para a rua, elas vêm ver… Esse ano eu percebi que havia pessoas da rua almoçando, que eles tinham um pouco de receio de almoçar, mas vieram almoçar. Então a gente vê que, nesses três anos parados, perguntam “ué, cadê o congado?” “O congado não vai ter mais não.” “Ai, quê que deu com o congado?” Aí quando eu falei, “não, esse ano vai ter”. “Nossa, não, tem que fazer comida cedo porque eu quero ficar na rua, eu quero ver, eu quero…” “Ah, vai vir guarda de fulano?” “Ah, vai vir guarda de ciclano?” Então a gente percebe que as pessoas estão atentas. Mas é igual eu te falo, é da João Pires para cima. O nível cultural aqui é divisível. De cima tem mais a ver com o congado, tem mais a ver com movimento negro, missa afro, que já foram feitas algumas aqui e do ali de baixo é mais a capoeira, se você procurar lá, “eu quero uma capoeira”, o pessoal vai te informar os mestres de capoeira do Cabana. Então eu acho o Cabana muito rico, eu fico triste que muitas das vezes o pessoal só enxerga a Cabana como um movimento de droga, e não é. Aqui tem vários movimentos, movimentos religiosos, movimentos culturais, tem vários. Às vezes não tem lugar para você estar expondo essa situação. Às vezes não tem espaço para você estar divulgando melhor esses acontecimentos que tem no Cabana, igual lá na Serra. Na Serra tem uma população… o pessoal coloca… tem muita… pessoas que são de fora, né? Tem até verba de fora que vem para a Serra. E isso poderia acontecer com o Cabana. Para ter um espaço pessoal… para ter uma reunião e mostrar o que é que a Cabana tem. Eu fico feliz que o projeto Sofia veio para o lado da Cabana, porque o Braulio também pôde ver vários movimentos que tem aqui no Cabana. Mas infelizmente, às vezes, é falta de espaço, é… de incentivo mesmo, sei lá, não sei se é a palavra certa. 

 

L: A mídia cobre mais os casos de violência do que a cultura. 

C: Do que a cultura. Olha procê ver, aqui tem três congados e praticamente quatro grupos de capoeira. O que fala sobre esses movimentos? Nada, quase nada. Se não são vocês estudantes, quando vem, faz algum movimento referente, é que é falado. Então, se não tem esse movimento, não tem fala sobre o assunto. 

L: A proposta do SoFiA é inclusive essa mesma. Fazer essa discussão acontecer e se possível, divulgar. A gente está aqui numa primeira etapa ainda. A gente ainda continua nesse sentido de ampliar a coisa. E aí, Carmelita, um outro assunto que a gente já tratou, mas eu queria te puxar um pouquinho de novo. É sobre essa relação que vocês têm, aí pensando assim, dentro da guarda, as pessoas da guarda mesmo, né? Eu acho que você já falou um pouquinho do papel da Dona Odete, esse respeito que vocês têm por ela, né? É… e aí tem até essa questão, né, das funções, mesmo ela sendo capitã-mor, ela é um pouco tratada como a rainha, e você tá no papel de rainha, mas também exerce isso e tal, e como que é a, perguntando no geral das outras funções, das outras pessoas, como que é a guarda? Como são essas relações entre vocês? 

C: Bom, na nossa guarda tem os caixeiros, né? Que agora os nossos caixeiros estão maravilhados, caixa nova, né? Foi uma coisa extraordinária. Tem os dançantes, tem as meninas que estão firmes aí. Tem os guarda-coroa, né? Que hoje nós estamos com duas, a Dona Eva e a Dona Aparecidinha. Tem eu como Rainha e o meu pequeno como Príncipe, né? Príncipe de São Jorge, né? Que eu tenho orgulho em falar. Assim, a função é essa mesmo, são os dançantes, dançando e, de vez em quando,  cantando. E os caixeiros também, da mesma forma. Eles têm esse… Nós temos essa cumplicidade de estarmos juntos nas nossas tarefas, igual esse ano, a gente ainda vai ter reunião dia 18. E eu vou ter o prazer muito grande de virar pra eles e falar, esse ano a gente conseguiu fazer a nossa festa por mérito nosso. A gente foi capaz de fazer, lógico, com a ajuda de algumas pessoas que nos ajudaram, sim. Mas ao mesmo tempo a gente vai ter na cabeça o que a gente conseguiu, que a gente fez o que o Rosário nos permite fazer. E assim, juntos. A gente organizar juntos, fazer juntos aquilo. Que é sempre o nosso objetivo, sempre estar junto. E a gente virou uma família. Às vezes não é só referente ao Congado, sabe? Às vezes a gente tá… Reúne pra fazer aniversário da minha mãe, reúne pra fazer alguma coisa, e a gente tá sempre junto. O Congado e as “Dona Maria da Igreja”, a gente costuma dizer assim, sempre estão juntos em todos os movimentos que tem aqui dentro do reino. Então a gente virou realmente uma família. Se acontece alguma coisa particular, a gente está junto. Tem uma pessoa que nos ajudava de fora, na cozinha, nas festas, que é a Jânia. Infelizmente, teve que amputar uma das pernas. Então hoje ela não pode fazer a função que ela fazia. E no dia da nossa festa ela estava se preparando para fazer a cirurgia de trocar uma válvula do coração. Então nós estávamos aqui em oração por ela, porque ela é madrinha do meu filho, é madrinha do outro filho da minha prima, então assim, família. Então aqui nós temos esse hábito, sabe? Nós somos, se está acontecendo com um, está acontecendo com o outro. Nós não somos assim, só tem a guarda aqui, nos reunimos o dia da guarda e pronto, acabou. É… não. É todo momento. Nós estamos juntos, em toda situação. Eu acho que é isso que fica… que a gente fica mais unido ainda. 

L: É, legal. E aí, Carmelita, tem algum, até já encaminhando assim, para o final mesmo, tem alguma coisa que eu não perguntei que você queria falar? Tem algum caso, alguma história também nesses anos todos que você gostaria de contar nesse momento final assim? 

C: Bom, a gente falou. Falou muita coisa. E assim, eu é… Eu falei, eu sou elétrica demais. Eu sou muito elétrica, porque ao mesmo tempo que eu estou no Congado, eu estou na igreja e eu estou na saúde também. Eu estou na saúde também. Então, assim, eu não consigo ficar quieta. Isso que, às vezes, minha mãe me chama a atenção e tudo, porque eu, por esse motivo, por eu não, não consigo. Então, depois da Covid, de eu quase morrer, depois quebrei minha perna, e eu tive que ficar parada demais daquilo, a misericórdia do Senhor. Foi muito difícil para mim. Então, é outra história que a gente fala do poder da oração. E a minha história, igual o padre Dário, que foi embora, ele falou que eu fui agraciada, que a partir daquele momento ele não ia me chamar mais de Carmelita, é a Agraciada de Jesus. Pelo fato da situação que eu fiquei, quatro dias falando que eu estava só esperando o óbito e, de repente, eu saí daquilo. Depois, eu escutei que eu peguei o celular e tudo e vi, porque a Jéssica fez um grupo só para dar notícia e aí eu vi os relatos. Eu fui, meu Deus, eu fiquei assim. Então aí eu vi como que o poder da oração é grande, porque ali naquele momento estavam pessoas católicas, pessoas da igreja protestante, alguns amigos meus que são da área dos terreiros, amigos de reunião de saúde, e assim, um nível de muita gente, eu nem esperava que eu tinha tanta amizade assim. E ali, aquilo pra mim, eu vou, esse eu vou guardar o resto da minha vida. É o poder da fé, é o poder da oração e o poder da amizade. Porque às vezes as pessoas falam, “ah, a gente não tem amigos”, mas não, temos sim. A gente tem sim. Eu costumo dizer para as pessoas que a gente não pode dizer que o mundo vai acabar. Porque se você falar que o mundo vai acabar, você não confia na palavra de Deus. Que Deus não fala para você ter esperança. A esperança só acaba quando você morre. Então como é que você vai falar que o mundo vai acabar? Se você tem esperança de ele melhorar, como é que você vai falar para uma criança, um neto, com um filho que acaba de nascer, nossa, o mundo vai ficar assim, assim e assado. Você não pode fazer isso. Você não pode destruir a esperança da pessoa nem antes dele começar. Então acho que a gente tem que ser positivo. Tem outra coisa que eu falo, que o coração não foi feito para guardar mágoa, nem rancor, nada disso, o coração foi feito para amar, deixar ele viver. Porque se você ficar guardando o treino do coração, você vai dar depressão, vai dar isso, não funciona. Então é preferível você viver amando. Amizade tem sim, tem muita amizade. Você só tem que saber quem você tem que cultivar como amigo. E sempre ter fé. Fé em Deus e em Nossa Senhora e vamos embora. Porque as coisas, o caminho de Deus não é fácil. No caminho de Deus a gente sempre fala, gente, pedra precisa trupicar. Mas tem como você desviar das pedras de vez em quando. Lógico que você vai trupicar numa pedra de vez em quando. Mas quando você levantar ali, você vai virar e falar, nossa, levantei, vamos para a frente. Tem uma outra coisa que eu ainda falo, que isso é do meu avô, guarda do meu avô. O avô falava com a gente assim, “atrás de uma tempestade, quando vem uma tempestade terrível que vai levar casa, vai tudo embora com a água, mas depois acaba aquela chuvarada, você olha pro céu e tem um arco-íris maravilhoso, cheio de cores. Então faça da sua vida esse arco-íris. Não se liga na tempestade, se liga no arco-íris”. E é isso que eu faço. Sempre faço isso. Por mais que eu chore um dia, eu sempre torço. Não, para, tem um arco-íris ali. Tô indo. E é isso.

L: Então, agradecer. Vou parar aqui.

Adrielly: Como eu tinha falado, tem umas perguntinhas que são padrão para todo mundo, mas se você lembrar de alguma história, alguma coisa e quiser falar, alguma coisa que não esteja na pergunta, fica à vontade. Aí, caso realmente tenha que assinar o termo de consentimento, eu posso te mandar e você imprime, assina e manda pra gente de volta, ou um dia que você estiver na casa de Dona Odete a gente leva lá para você assinar, isso é tranquilo.

Diego: Ta ok. Como você quiser.

Adrielly: Ta bom. Uma das primeiras coisas é para você contar um pouquinho sobre você: Onde você nasceu, onde vive, o que você faz. Sua relação com o Congado. 

Diego: Meu nome é Diego Campos, eu tenho 37 anos, e eu nasci aqui em Belo Horizonte lá no bairro Nova Gameleira, sempre fui criado lá. E com o passar do tempo, nós mudamos de lá, né, com a minha família e viemos pro bairro Minas, um pouquinho afastado lá do Nova Gameleira do bairro Cabana, né, mas, eu morei lá por 17, 18 anos, não, muito, eu morei lá por 16 anos, e a partir daí eu vim morar aqui no bairro Ourominas. A minha vida inteira eu estive relacionado aí com o Congado, né, a gente tem a Guarda de Congado do Moçambique lá do bairro Nova Gameleira. Vi que era do ladinho lá de casa então eu podia desde pequeno escutar o barulho das caixas tocando que eu saia correndo a ver o Congado, podia ser qualquer hoa, de madrugada que eles saiam para fazer a Alvorada, que eu tava lá, eu tava sempre no Congado. E, com o tempo, eu não lembro assim muito da infância, né, Odete conta que ela me conheceu muito pequenininho, aí eu na verdade não lembro. Eu lembro só quando eu conheci eu já tava um pouquinho grandinho, nos 12, 13 anos por aí, e aí eu lembro que teve a festa do Congado lá no Nova Gameleira e a Guarda da Odete que foi cantar pra abrir a Igreja, pra depois o Moçambique vir e cantar “O lamento do negro” pro padre poder abrir a igreja e pra gente entrar pra missa, né. E nesse momento, foi um encantamento que eu vi pela Guarda da Odete, sabe? Aquele povo todo de branquinho, sabe, cantando muito afinado. Eu me apaixonei por aquilo. E desde aí eu comecei a buscar, eu não sabia onde tava a Guarda, eu sabia que era Cabana, mas eu não sabia onde era. Então eu comecei a procurar na Cabana aí eu cheguei lá ouvindo uma das meninas, que dançava na Guarda dela, aí eu peguei e perguntei: Olha, onde que mora Odete, que não sei o que. Aí ela foi e falou assim: Ah, é aqui do lado! Tal, eu tava em frente do portão, né, e quando eu perguntei isso a Odete estava saindo de casa, ela me viu. Sabe,  foi muito engraçado. Aí desde aí eu não parei também, eu comecei a frequentar lá a Guarda deles, eu saí da Guarda do Jeremias, né, na verdade eu já participava já tinha alguns anos, mas aí eu fui pra lá e comecei a participar muito, como eu direi? Eu não era um participante que participava de todos os movimentos. Que era dia de festa, domingo, eu chegava lá no sábado a tarde perguntava se tinha saído. É que não existia telefone, né. (inaudível) Eu chegava lá no meio do sábado, eu perguntava se a gente ia sair no domingo, se sim, eu perguntava que horas e aí já combinava tudo direitinho, chegava lá no horário e era isso. Eu tinha participação aos domingos. Até que um dia eu cheguei lá num sábado, foi até cedo, pra perguntar e teve uma situação bastante triste, né, que estava vivendo a família da Dona Odete naquele momento. E eu acabei ficando ali, sabe, eu acabei ficando para confortar os corações do pessoal que estava lá, de uma pessoa em específico, que eu não vou falar aqui o nome dela, né, para não constranger. Mas, é, eu fiquei lá, sabe, a partir desse momento eu fui criando uma amizade tremenda ali, né, então às vezes eu ia pra lá, falava com a minha mãe: Mãe, tô indo pra Odete.”Ah, já sei, ‘cê vai ficar lá a semana inteira!” Né? (risos). E eu fui me empapando mais dessa cultura, por que assim, acredite ou não, eu por ser uma pessoa branca eu também fui criticado, né, não existe um racismo inverso né, vamos aclarar aí, mas eu também fui criticado por alguns congadeiros, né, e a crítica foi bastante engraçada porque não foi uma crítica doce não, foi “Nossa, como que essa pessoa branca, ela consegue bater caixa, ela consegue cantar, e ela consegue dançar ao mesmo tempo, né?” Não tinha resposta pra isso, eu era o que eu era, eu gostava do que eu fazia, né, eu gosto. O Congado pra mim é a minha paixão, sabe? É, às vezes a gente, eu morei muitos anos fora, sabe? Eu morei no México, eu fiquei no México quase 17 anos e do que eu sentia mais falta era da minha família e do Congado. Sabe, às vezes eu me via assim na cozinha, cozinhando e cantando, sabe, aquelas músicas bonitas do Congado. Ou sentado na mesa, batendo caixa na mesa mesmo e cantando, sabe? Foi o momento que eu mais senti saudade, não foi difícil no país, mas eu senti muita saudade dessa parte, né, que é a cultura brasileira.

Adrielly: E essa história que você contou de quando você começou a participar lá da Guarda, você tinha quantos anos? Você lembra? De quando você falou assim: “Ah, quando você procurou o portão e era do lado” e quando você realmente começou a participar mais como da família e não só aos finais de semana.

Diego: Então, eu não lembro quantos anos que eu tinha mas eu era novo. Mas, lembrar lembrar, não. Quem é boa de lembrar idade é Carmelita. Ela lembra de tudo (risos), sabe, mas eu realmente não sei, mas eu lembro que eu era pequeno. Deixa eu ver, se eu estudava, eu deveria estar na terceira, quarta série por aí.

Adrielly: Uau! Nove anos.

Diego: Uns nove, dez, por aí.

Adrielly: E desde que você entrou, e até atualmente assim, você entrou como caixeiro ou numa outra posição? Como foi assim essa questão de função dentro da Guarda?

Diego: Sim, bom, eu entrei como dançante, né. No dia que eu… foi numa festa da Odete que eu virei caixeiro. Eu nunca tinha pegado numa caixa na minha vida. Então, nós saímos para buscar o rei e a rainha na festa (inaudível) cedo. Só que na função, né, e tudo aquilo que congela ali, preparar comida, preparar o café da manhã, né, faltou gente na Guarda pra buscar o rei e a rainha. Então eles me colocaram como caixeiro e eu lembro que foi até o Leo, que é caixeiro também, falou assim comigo: “Não, pode pegar. Não precisa ter medo é só você acompanhar a gente”. E daí nunca mais eu soltei, foi muito assim de pega e vai, né, é como… aconteceu a mesma coisa quando eu fui aprender a andar de bicicleta: eu vi as meninas brigando porque uma queria e a outra não, eu peguei a bicicleta e fui, só fui, sabe? Eu não precisei de alguém falar “tem que fazer isso e isso”. Não, foi a mesma coisa com a caixa e desde aí eu percebi que eu estava predestinado àquilo: a ser caixeiro, sabe, a ser dançante. Eu até recebi uma proposta aí na época (inaudível) príncipe. Mas eu não quis. Eu falei que sim, mas eu fiquei enrolando, enrolando, enrolando, naquela época eu era muito menino não sabia falar “não”, hoje eu sei. Eu fiquei enrolando, enrolando, enrolando, até que a Carmelita falou assim: “Não, ele não é pra ser príncipe, ele é pra ser dançante mesmo”. E esse é o meu papel dentro da Guarda, é disso que eu gosto. Quando a caixa bate o corpo arrepia, a mente vai longe na ancestralidade, sabe, aí a gente começa a pensar, né, eu, como pesso branca né, em toda aquela dívida que eu tenho com esses negros, com esses pretos do Rosário, né, então assim, o mínimo que eu posso fazer é participar de todos esses movimentos.

Adrielly: Ah, que legal! O convite que você falou pra ser príncipe, deu uma cortada, foi de outra Guarda ou foi lá dentro mesmo? Porque eu não sei se você falou mas cortou aqui.

Diego: Ok. Não, foi lá dentro mesmo, tá? Eu fui convidado, foi até a Carmelita e a Dona Odete mesmo que me chamaram para ser príncipe na festa, na seguinte festa. E eu falei que sim mas eu não tava muito feliz não, eu queria era dançar, o meu negócio era dançar.

Adrielly: E Diego, você já teve contato assim, de visitar, de ir em outras Guardas. O que você acha que a Guarda da Dona Odete tem assim de diferente das outras que você não sairia dela, por exemplo, pra aceitar tocar, fazer parte de outra, sabe? O que você acha que te prende de especial na Guarda?

Diego: Ok, então. Já recebi bastantes convites, até mesmo de abrir novas Guardas. E é uma ideia até legal, pensar até aí no futuro, não sei. Mas a Guarda da Dona Odete ela tem… É que Dona Odete é uma mãe, eu acho que todos nos sentimos abraçados, sabe, todos nos sentimos acolhidos, ela não tem discriminação com ninguém, todo mundo que chega lá come, bebe, ela abraça, ela beija, ela sorri, ela se diverte e é isso, é essa harmonia que não deixa a gente sair da Guarda dela, sabe? A gente se sente bem, nos sentimos bem, nos sentimos nos braços da mãe, sabe? Por um lado tem a Dona Odete, por um lado tem Nossa Senhora que acolhe também a gente assim. Então, é um ambiente assim super agradável, claro, tem algumas vezes que tem que dar um puxãozinho de orelha ela vai lá e dá também, mas acaba que a gente nos transformamos em uma família e uma família não se que separar nunca, né, alguns podem seguir aí outros caminhos, se afastar um pouco mas acaba voltando, né?

Adrielly: E como você avalia a sua relação com a Dona Odete, com as outras pessoas da Guarda, como você avalia essa relação que foi construída? Que é desde quando você nasceu então é muita coisa, né? (risos) Aí se você puder contar também um pouquinho como foi quando você passou esses anos fora, sobre essa relação que você tem com o pessoal, com o congado.

Diego: Ta ok. Como eu te contei, né, quando eu cheguei lá uma pessoa familiar estava passando por um processo muito forte, sabe? Aí eu acabei acolhendo à duas crianças. Das crianças que hoje pra mim elas me chamam até de pai às vezes, né, então eu acolhi elas como realmente pai, eu tava muito novo assim, né, mas eu acolhi eles com esse papel de pai. Então acabou que essa relação teve um vínculo mais forte porque eles dois são meus amores pra sempre, sabe? E eu puxo a orelha mesmo, eu falo, mas a gente brinca também, a gente festeja, né, e pra mim eles são o vínculo maior que eu tenho dentro da Guarda, sabe? Eu acho que todo mundo tem um momento assim de rebeldia né, e esse momento chegou pra mim também, que eu já não quis mais, que eu já não queria ir mais, mas afinal de contas eu tinha duas pessoinhas lá dentro que precisavam de mim, sabe, mesmo eu estando fora a comunicação nunca pausou,a  comunicação sempre foi, como que eu posso dizer? É, intermitente? Não, não sei se seria a palavra correta. Mas sempre houve essa comunicação, né? E eu nunca esquecia do dia da festa, eu sempre ligava sábado pra Dona Odete, eu ligava pra ela, conversava com os meninos, perguntava se estava tudo bem, se já estava, é… se a festa já tava tudo arrumado, quantas Guardas confirmaram que ia chegar no domingo, sabe? Sempre teve essa preocupação também, né. Depois veio as tecnologias aí e a gente conseguiu ficar mais conectado, né, mesmo a distância eu conseguia ver fotos, eu conseguia ver vídeos, né. Então era confortável pra mim também poder ver que tudo estava indo bem e que os meus meninos estavam crescendo aí junto com a Guarda, que não abandonaram também aí essa missão que a Dona Odete tem até hoje, que agora tamém, né, virou missão deles e de todos nós também, né, continuar aí nos caminhos do Rosário, né. Com a Dona Odete, a relação com ela eu não tenho nem o que falar. É uma relação assim, de mãe, ela é a minha segunda mãe mesmo, né, ela me acolheu bastante e me acolhe até hoje. Às vezes eu chego lá e chamo ela, às vezes eu to passando lá com algum trabalho que eu tenho que fazer., então justo na hora do almoço, sempre é na hora do almoço, graças a Deus! (risos) Que aí eu passa lá, já toco e já sei que ela já fez o almoço e ela me acolhe, ela me chama pra dentro “Vem meu filho, almoçar!”. Ela prepara, sabe, eu descanso um pouquinho pra continuar o trabalho, né. Então, é bastante gratificante aí a nossa amizade. E eu tenho amizade, né, com a Carmelita, nós somos amigos, nós somos tão amigos que nós sentimos aquilo que o outro está passando, mesmo a distância, sabe? Eu sempre, às vezes eu ficava uns vinte até um mês sem ligar pra eles, mas quando acontecia alguma coisa com ela eu ligava. E ela me contava: “Nossa, você me ligou no pior momento…”. Aí me contava tudo que tava acontecendo, então, essa relação ainda continua. Eu estava fora, continuava. Agora eu estou aqui a gente quase não nos vemos, né, fora nos dias do Congado por causa do trabalho, né, e a correria do dia-a-dia. Mas a gente continua aí com essa comunicação, a gente continua um rezando pelo outro, né, pedindo proteção, pedindo bons caminhos, trabalho, dinheiro, né, que tudo a gente precisa. Mas é essa relação que a gente tem, é uma amizade profundo, e eu acho posso dizer, né, que é um amor incondicional. E tem a Jéssica, né? Por que que eu deixei a Jéssica por último? É… porque ela aí que tá trabalhando com esse projeto, né? É um papel muito importante que ela está fazendo, né, e ela se encaixou muito bem. Eu tô falando um pouquinho de espanhol porque hoje eu falei muito espanhol (risos). E ela se encaixou aí muito bem dentro do projeto né, dentro do Reinado, do Congado. Ela por ser uma pessoa branca, igual a eu, que sofremos aí críticas, às vezes um pouco duras, né, por estar em meio de pretos, né, que eu acho que não tem nada a ver, eu acho que somos irmãos e que somos, e que temos que lutar pelos ideais de uma cultura sem preconceitos. E todos, não só os pretos, eu acho que todos temos que nos reunir, não deveria existir essa separação mais de branco e preto. São pessoas, são isso, pessoas, todos! Mas a Jéssica também é uma amizade assim bastante profunda, a gente fala besteira, já é mais assim de amizade mesmo, sabe? Eu xingo, falo, ela me xinga, fala, sabe, mas é uma pessoa maravilhosa também que está aí um pouquinho doidinha mas se Deus quiser ela vai estar melhorando pra poder continuar o caminho dela também e continuar neste projeto maravilhoso. Quero parabenizar ela aqui, aproveitar para parabenizar ela e todos vocês aí que estão participando do projeto.

Adrielly: Ah! Obrigado! Uma outra coisa que eu queria saber é como você enxerga assim as relações das Guardas, da Dona Odete especificamente, com a comunidade do Cabana? Eu acho que o lugar que talvez uma coisa surge determina muito algumas coisas, sabe, eu queria saber como você enxerga assim essa questão da localização mesmo da Guarda. Como ela se insere na Cabana, como é recebido pelas pessoas, o pessoal chega junto?

Diego: Muito bem, vamos lá (risos). A Guarda, né, já tem aí bastantes anos e eu acho que ela veio, eu tenho esse pressentimento, que ela surgiu pra poder resgatar muitas crianças, muitas pessoas do vício e de fazer coisas ruins. O bairro Cabana teve uma época que ele era muito violento, hoje melhorou muito as coisas, mas, continuava tendo essa carência de amor, de mãe. Então a Guarda foi isso, sabe, essa relação com o Cabana é muito importante porque tem muita gente hoje adulta que trabalha, sabe, e que não foi parar numa prisão por conta de alguma besteira que pudesse fazer. Quando tem a festa, né, até mesmo os meninos da rua eles ajudam pros carros não passarem, eles ficam vigiando pra esses carros não atropelarem alguém, né, então assim eu acho que a interação com a comunidade é bastante importante. É igual, eu tenho uma percepção um pouco assim da Igreja Católica, né, que ela abandonou um pouco essas comunidades em um tempo, agora ela está voltando, né, ela abandonou um pouco, ela foi um pouco mais pras comunidades mais de elite, né, e acabou abandonando esse povo da periferia, mas, a maioria dos Congados eles estão na periferia, então ajuda bastante essa comunidade a ter visibilidade também. Aqui tem uma cultura, né, aqui as pessoas podem pensar em uma cultura, né, essas pessoas podem ter esse atino de “Olha! Isso é cultura brasileira, isso é de Minas, isso é do Brasil! Isso aqui, o Congado, é cultura brasileira e está aqui no Cabana!”. Então eu acho que a Guarda cumpre um papel bastante importante na comunidade com todas essas pessoas, né, agora a gente tá vendo aí pessoas mais velhas também, né, mas são pessoas que também estão marginadas principalmente com os familiares, a pessoa já está mais velha, né, os familiares já não querem estar mais lá com elas então elas acabam ficando sozinhas. E tendo a Guarda, não. Tendo a Guarda eles vão pra lá, eles dançam Congado, eles vão a missa, né, eles tem os dias que a gente faz as feijoadas as pessoas vão lá comprar feijoada e ficam lá com a gente o dia inteiro sambando, dançando, cantando e se divertindo, tomando uma cervejinha que a gente gosta também, né? ( risos). Então eu acho que é isso, sabe, esse é o papel da Guarda dentro da comunidade do Cabana. 

Adrielly: E a Guarda tem uma boa relação assim com as outras Guardas? Porque você comentou, e eu sei também, que é de costume convidar outras Guardas pra fazer parte da festa, como você enxerga a relação da Guarda da Dona Odete com as outras?

Diego: Não, com certeza que sim,né? Temos que ter essa boa relação, né, porque o que embeleza o Rosário, o que faz disso uma festa, são as Guardas que nos vem visitar, né? Então se não tiver essa boa relação não em festa, né, porque uma Guarda não faz festa sozinha, né, a gente precisa dos nossos irmãos, a gente precisa das outras Guardas. Então, a relação em geral é muito boa, é até engraçado porque a nossa festa está ainda dentro do patamar do patamar das festas que mais tem Guardas convidadas, né? Convidadas e que vão, né, realmente. Porque convidar a gente convida até duzentas Guardas (risos). Mas que vão pra prestigiar a gente, é… a gente está aí dentro desse ramo de Guardas que nos visitam, então, a relação é bastante boa, não tem muito o que dizer, né? A própria festa diz, você vê a festa e ela diz por si só como que é a relação com as outras Guardas, né? Porque se tivesse uma relação conturbada aí a gente não teria visitante na verdade.

Adrielly: Sim, tem razão. Em relação a prefeitura, por exemplo, o poder público, como você enxerga essa relação? Porque em muitas entrevistas também comentaram que às vezes a Dona Odete é convidada pra alguns eventos, eu não sei se você chegou a acompanhar, mas eu queria saber como você avalia a relação da guarda com a prefeitura, é… se tem uma visibilidade, como você enxerga que a prefeitura maneja essa questão do congado e da guarda da Dona Odete? 

Diego: Ok. Sim, a gente às vezes somos bastante chamados para ir em eventos, ir em escolas, né, pra conversar com o pessoal, faculdade e etc. Me entristece muito a relação com o governo, sabe? Porque a maioria das Guardas, como eu disse, elas são de comunidades, a maioria das pessoas são assalariadas, né, e elas estão ali por gosto, porque querem estar ali, né, mas tem muitas pessoas que não tem as condições financeiras como para poder pagar um transporte, por exemplo, né, porque a gente faz assim, a gente aluga o transporte e divide para todos os integrantes da Guarda pra gente ir, aqueles que não conseguem a gente acaba ajudando, sabe, um ao outro e vai indo assim, e assim é como a gente tem que fazer. Mas, hoje a prefeitura… antigamente a prefeitura dava o ônibus pra gente poder deslocar aos domingos para essas festas, né, hoje já não tem isso, sabe, hoje já não tem mais esse incentivo. Então, acaba que a gente acaba não indo a certos lugares, a certas festas porque talvez tá muito caro, ou porque talvez alguns integrantes não conseguiram dinheiro, sabe? Então essa situação me entristece. E não é só em BH, né, não é só em Belo Horizonte. Estamos falando de Minas, né, estamos falando do Brasil inteiro, o incentivo à cultura se perdeu. Vamos ver com o novo Governo o que vai ter aí pra gente. Mas eu até esses dias comentei, que eu realmente eu vou correr atrás, porque deve ter alguma coisa que eles possam fazer por nós, que eles possam fazer para os Congadeiros pra não deixar morrer, não deixar essa festa do Rosário morrer, não deixar isso acabar. Porque hoje você vê as Guardas de Congado, por exemplo, a Guarda de Dona Odete tinha mais de, quase cem pessoas, hoje já não tem um tanto de pessoa, né? Você vê outras Guardas que tinham até noventa, setenta pessoas, hoje tem Guarda até com cinco, seis pessoas. Mas é esse incentivo, né, porque eu sou assalariado, né? Então imagina eu sou assalariado, eu vou sair com o Congado domingo, eu tenho que pagar uma passagem e colaborar com vinte, trinta, quarenta, cinquenta reais dependendo do lugar, né, pesa muito no bolso, né, durante o mês pra poder pagar essa passagem pra poder sair. Então, é um chamado aí, um chamado de atenção, tá, até a prefeitura , as instituições api governamentais, que olhem um pouquinho pra essa cultura. Que olhem um pouquinho, sabe, hoje que vejo que se você for em alguma comunidade que não em Congado ninguém conhece o Congado e isso não deveria de ser assim. Isso não deveria de ser assim, isso deveria de se matéria na escola, cultura, ensinar os povos indígenas, ensinar os Congados, é… candomblé, umbanda, sabe? Porque isso é brasileiro, isso é brasileiro, pessoal! Isso é a nossa raiz, nós somos isso, nós somos descendentes de escravos, todo! Todos somos misturados, uma mistura danada, brasileiro não tem raça. Por isso nós somos o único país da Latina América, um dos poucos, né, que falamos outra língua que ninguém entende. Todos os outros é espanhol ou inglês, e tem um país aí que fala um pouquinho de francês também, mas a maioria é espanhol. Nós estamos deixando perder isso, sabe, esses dias eu fiquei chateado no dia da festa. Nós fomos pegar uma bandeira, pertinho, não era tão longe, e saiu uma senhora pra xingar a gente, que ela não queria barulho, que já era seis horas, e nem era seis horas, e era seis horas que ela não queria barulho no ouvido dela, não sei o que. Eu tratei ela com muita educação, eu falei assim: “Olha, senhora, são seis horas ainda, a senhora pode entrar e chamar a polícia, né, que nós vamos continuar aqui com o Congado”. Aí ela começou a xingar, aí tivemos que sair, sabe, mas isso que acontece é educação, porque essas pessoas, não importa de que religião você seja, se você tem educação você respeita, qualquer pessoa, qualquer religião, você sabe respeitar, né? Então eu acho que o governo em si, o governo brasileiro, né, já pulei do governo aqui de Minas pro brasileiro, está investindo pouco em educação cultural, em cultura, então, se está perdendo. Nós estamos perdendo cultura. Nós já perdemos muito com os portugueses aí que nos roubaram muitas coisas e agora nós mesmos brasileiros estamos deixando aí tudo se perder, tudo ser esquecido, ser (inaudível), né, e isso me entristece muito.

Adrielly: A gente até entrou um pouquinho no que eu ia perguntar que era mais ou menos isso. Você acha que ainda o Congado precisa ser mais respeitado e mantido dentro do Cabana, né, se você acha que o Congado tem sido esquecido ou deixado de lado pela sociedade e o que você acha que precisa ser feito para que a comunidade congadeira possa resistir à esse pagamento, né?

Diego: É, infelizmente (suspiro). Infelizmente vamos a muitos lugares que são muito respeitados. Eu nao sei se você viu uma matéria esses dias, eu acho que foi em Goiás ou no Distrito Federal, eu não lembro muito bem mas foi por aí, que o Congado ia passar na rua e teve um apartamento que jogou ovos no Congado, sabe, eu vi essa matéria, eu fiquei abismado com a arrogância das pessoas. É… eu acho que as pessoas estão perdendo o sentido, esse sentido, ser, a gente que está passando ali embaixo, uma pessoa não é um animal. Mesmo que fosse um animal também, né, os animais sentem também, os animais tem sentimento. Mas não é objeto, sabe, então, por exemplo, a Guarda da Odete dentro do Cabana é super respeitada, muito respeitada, mas tem lugares que a gente sai que a gente sente aquele peso de preconceito em cima da gente, sabe? Graças a Deus nunca aconteceu nada, de pessoas brigarem, falarem, né, mas a gente sente aquele peso, aqueles olhares de “Que que esse povo tão fazendo aqui no meu bairro”, né? Então eu acho que o governo tem falhado sim em mostrar um pouco mais pra sociedade. Eu estive agora em São Paulo em uma comunidade lá pequena, sabe? E eu perguntei: “Vocês conhecem o Congado?”. São Paulo é uma cidade, é um estado que tem muitos Congados, né? E eles falaram assim: “Não, eu não sei o que que é isso, que que é isso?”. Aí que eu fui mostar, eu fui conversar um pouco, sabe, com eles, eles ficaram assim muito atenciosos e aprendendo o que era aquilo e porque que a gente fazia aquilo na rua, e como que era, quais eram os dias que a gente saia pra rua. Então por que não ter essa cultura de espalhar, né, como se fosse um vírus aí a gente teve a pandemia a gente sabe como funciona, por que ao invés de espalhar vírus nós não espalhamos cultura? Ao invés de espalhar ódio, não espalhamos cultura? Ao invés de espalhar desamor, não espalhamos cultura com amor, por que? Eu pergunto isso pros nossos governantes que não tem feito nada por nós e não é só os congadeiros, eu falo em cultura em geral, sabe? Se está perdendo tudo, tudo se está perdendo. Antes a gente tinha as quadrilhas na rua, hoje não, hoje você vê só em alguns lugares assim muito específicos. Cada rua fazia sua quadrilha. Antes no carnaval, até o carnaval também é cultura, gente. No carnaval, os bairros, eles tinham seus bloquinhos assim pequeninos, da rua mesmo. Está acabando. Porque não tem incentivo. E eu não falo só incentivo monetário não, é incentivo de espalhar a cultura pra que a gente possa sair com a cabeça erguida. Nós já saímos com a cabeça erguida, com certeza. Mas que a gente possa dizer e falar assim: “Olha, estamos entrando nesse bairro aqui que não conhecia o Congado e muita gente conhece, quer tirar foto e quer beijar a bandeira. Olha que maravilha!”. 

Adrielly: É, tem razão. Uma outra coisa que eu queria saber é se você sabe se a Guarda tem registros, se você sabe um pouquinho em relação a história da Guarda?

Diego: Se a Guarda tem história…? Antes de eu ir embora, a gente ficou nisso, de tirar o registro da Guarda, tá? Aí eu já não sei, né, acaba que eu voltei, entrou a pandemia, então, eu já não adentrei muito nesses assuntos administrativos da Guarda, sabe, aí eu não sei, essa parte mesmo eu não sei te dizer. 

Adrielly: Tem problema não (risos). E uma última pergunta é: Como você acha que o Congado é importante ou contribuiu de alguma forma pra sua espiritualidade? Se você tem religião, se não tem, como essas coisas se entrelaçam de alguma forma?

Diego: Sim, sim, claro. A minha vida inteira eu fui criado entre o espiritismo e o catolicismo. Eu fiz primeira comunhão, fui batizado e frequentava o Congado, e frequentei sempre terreiros espíritas, terreiros de umbanda e candomblé. Hoje eu continuo, hoje eu sou raspado, adochado, catulado no candomblé, sou filho de Ogum com Oxum, né, mas isso não tira, né, o respeito que eu tenho aí pelo Congado. Isso não faz com que eu deixe o Congado, a minha religião não está brigada com nenhuma outra religião contrária, nós queremos paz, queremos amor, queremos poder entrar um dia numa igreja evangélica e ver como funciona, queremos entrar numa Igreja Católica e ver como funciona. Queremos levar essa cultura de amor, porque né, falando agora de espiritualidade, Orixá, gente, Orixá é amor, é família, Orixá não é briga de egos, não é briga contra religião nenhuma. Nós do candomblé chamamos o Orixá, nós temos o nosso Deus também assim como o espírita tem o Deus dele, assim como o católico tem o Deus deles, nós também temos. Eu acho que é respeito, essa é a base da sociedade, do ser humano: o respeito, porque se eu aprendo a respeitar o meu vizinho eu não preciso criticar, de fazer críticas duras, né. Então eu acabo emanando amor, assim é Ele, sabe? Mesmo se meu vizinho aqui, meu vizinho, eu não vejo ele eu não converso com ele sempre, eu cumprimento, mas eu respeito. Se hoje ele sair ali com a bíblia eu pergunto pra ele: “Ô vizinho, bom dia! Tudo bem? Já tá indo orar?”. “Tô sim, vizinho! Boa tarde!”. Ou ele me vê de branco, ele fala assim: “Ô vizinho, boa tarde! Tudo bem? Já tá indo pro seu terreiro?”. “Já tô indo vizinho, até mais! Que Orixá te abençoe, que Ogum te abençoe, depois a gente se vê!”. Respeito. Com respeito a gente não teria briga, com respeito a gente seria melhores seres humanos. Você respeita a minha casa, eu respeito a sua casa, você respeita a minha espiritualidade, eu respeito a sua. Você respeita a minha religião que eu respeito a sua, tá? Tem muita gente, né, eu quero complementar aí com isso, tem muita gente que vê o Congado e fala assim: “Ah, o Congado é macumba, ah, o Congado é espírita”, né? As pessoas ignorantes falam macumba, né, “são um bando de macumbeiros!”, né, as pessoas um pouco mais cultas falam: “Ah, o Congado eu acho que ele é espírita também”. Toda religião é espírita, nós cremos, a igreja católica crê no espírito, né, que ninguém nunca viu só sente, então, são espíritas. E isso é muito importante falar. Todas as religiões são de matriz africana, todas, não tem nenhuma que não são. Porque Jesus, onde Jesus nasceu? Onde Jesus foi morto?

Adrielly: Eu não sei (risos).

Diego: Continente Africano. Então ele era africano (risos). Entendeu? a religião católica também e a protestante também ela é raiz africana, ninguém pode fugir, as nações, né, o mundo, as pessoas, né, elas foram, o mundo começou na África, todo mundo sabe disso, né? Então é importante deixar isso claro, que o Congado ele não tem nada a ver com o espiritismo, o Congado é católico mas ele acolhe qualquer religião. Eu sou espírita, eu sou do candomblé, sou candomblecista, eu estou no Congado e sou bem acolhido, não falto com respeito com ninguém do Congado e ninguém falta o respeito comigo por ser de outra religião. E entro na missa com o Congado e assisto a missa e sei rezar tudo que é da missa porque isso é respeito.

Adrielly: Nossa, Diego, que legal saber disso. Acho que era uma dúvida que eu tinha assim também, de conhecer uma pessoa que é do candomblé e do Congado, eu também sou do candomblé, sou feita e aí eu ficava pensando como que te recebem lá, né? Porque às vezes tem uma rixa assim em relação a isso, o Congado que é só caólico que é só católico, ou o Congado que é da macumba que eles falam, né? Eu já ouvi falar de umas rixas que são assim e que legal saber que você participa e que a Dona Odete te acolhe mesmo assim, porque eu também não acho que são coisas incompatíveis, eu acho que o Congado assim como o candomblé é cultura popular negra assim, que vem dessa matriz africana e muito legal, (risos) não é uma pergunta da entrevista, mas legal saber disso.

Diego: Uhum, sim. E é isso, sabe. Minha vida é essa: Congado, terreiro. Eu fui pra São Paulo justamente, olha pro cê ver, que eu te contava da comunidade que eu conversei sobre o Congado é na casa do meu pai, Danilo de Oyá. Eles não conheciam o que era o Congado, e eu falei: “Gente! Mas como assim? Como assim, não é possível? São Paulo é um dos estados que tem muitos Congados e como vocês não conhecem?”. Realmente, lá pra Baixada Santista não tem, eles não conhecem. Então eles ficaram ali, sabe, então, aquilo que eu falo, o governo tem que tratar de enviar essa mensagem de: “Olha, isso aqui é Congado, os Congados estão aí. Olha, isso aqui é cultura brasileira!”, né? Mas não tem, não existe isso, as pessoas estão isoladas ainda por amis que a gente tenha aí meios de comunicação mas tem muita coisa que ainda não chega. O que mais chega é fofoca, que o ator fulano de tal traiu fulano de tal, né, e a gente vai nessa cultura aí de consumismo, que a gente consome tudo aquilo que a gente vê e escuta, né, mas a gente não aprende pegando num livro que nem esses antigos “ah, deixa eu ler!”, igual minha avó fazia antes. Como é que era o mundo? Como é que era o Brasil na época da minha avó, quando a minha avó nasceu? Ou como é que era o Brasil quando eu nasci? Que era totalmente diferente, né? Apesar que eu tenho só, você acredita que eu não lembro quantos anos que eu tenho? Se eu tenho trinta e seis ou trinta e sete, tenho que fazer umas coisas aqui, eu esqueci (risos) se eu tenho trinta e seis ou trinta e sete, mas é isso. Esses aqui já foi fora da entrevista, né? (risos).

Adrielly: (risos) Tinha sido a última pergunta na verdade, sobre a espiritualidade era a última coisa. Aí se tiver alguma outra coisa que você quiser falar que eu não tenha perguntado, sinta-se à vontade. Se não, a gente pode encerrar.

Diego: Aí, eu acho que eu já falei muito! (risos). Eu fui falando, fui falando, fui falando…

Adrielly: Não, tá ótimo!

Diego: Mas é isso, deixar, vou deixar só um recadinho pras novas gerações aí que estão chegando. Novas gerações, por favor, aprendam cultura brasileira porque eu morei fora do país, eu morei no México, lá é um país que tem muito enraizado a cultura deles e eles sempre me perguntavam “qual é a cultura do seu país?” e eu nunca soube responder o que que tem lá de típico, feijoada? “Mas lá não tem os indígenas? Eles não vestem roupas típicas?” Eu falava assim: “Ah, indígena eu sei que tem sim mas roupa típica eu não conheço”, “Mas assim, no Sul, por exemplo?”, “Ah, no Sul eu sei que eles tomam chimarrão!”, “O que mais, hein? Que mais?”. O que que eu conseguia fazer? Eu comecei a analisar e falar: “Gente! O Brasil tá sem cultura!”,não tem uma roupa típica que eu posso falar assim: “Não, isso aqui é brasileiro, se eu colocar isso todo mundo vai saber que eu sou brasileiro”, não tem! Que que eu faço agora? Que que eu falar? Que o Brasil, desculpa, eu não tenho nem termo pra isso, né. Então, aprendam, procurem saber porque estamos a tempo ainda de resgatar um pouco a nossa cultura, do que nós somos, das nossas raízes. Só isso.

Adrielly: Diego, obrigada. Eu vou parar a gravação e aí eu encerro aqui com você.

Mar: Júlia conta pra mim um pouco sobre você, onde você nasceu, onde você vive hoje, o que você faz da vida?

Julia: É… sou daqui de Belo Horizonte mesmo, atualmente eu moro com a minha mãe, que é a rainha da Guarda, a Odete, que é a capitã, moramos aqui né? No Cabana. Atualmente também tô, né, desempregada então eu fico mais em casa, aqui com elas. E o congado pra mim é… eu falo que o mais importante na minha vida, nunca coloco que é por causa da minha avó, que eu sou forçada, não. Porque eu gosto mesmo. Até mesmo quando a nossa guarda não sai pra lugar nenhum ou não tem uma festa que nós fomos convidados a guarda a ir, a gente gosto de ir pra visitar, pra ver a festa e ficar lá o dia todo porque a gente gosta mesmo, não é só por ela. Então eu sou completamente assim apaixonada, não aceito que fale mal, não aceito que as pessoas julguem sem conhecer. Tento explicar mas não são todos que entendem, mas pra mim é paixão mesmo, não tem outra explicação.

Mar: É, ‘cê começou a falar um pouco da sua relação aí com a guarda, né? Desde quando ‘cê participa, que que ‘cê faz dentro da guarda, ‘cê tem algum papel específico? E… acho que ‘cê já falou um pouquinho né mas se quiser falar mais também né, porque que ‘cê participa dessa guarda especificamente, que que ela tem especial pra você?

Julia: Eu participei da gestação (risos), desde a barriga da minha mãe, que a minha avó já tinha né, a guarda formada, e… eu fui colocada como capitã, logo após a minha avó, só que eu não gosto muito de ficar no meio, igual a ela então eu gosto mais de ficar na fila como dançante, não gosto muito de (risos) ficar no meio cantando não. Então atualmente ela é a primeira capitã e eu sou a dançante, eu gosto mais de dançar, de ficar na fila. É… na nossa guarda são duas filas né, então eu fico na frente, a minha irmã Jéssica fica na outra, e a gente olha uma pra outra a gente sabe que horas que começa a cantar, aí os outros de trás logo já prestam atenção em nós duas, e… é isso, eu gosto mais mesmo da parte de dançar.

Mar: Uhum. Que que ‘cê tem a dizer sobre as pessoas da guarda, como que essas pessoas se relacionam entre si?

Julia: Nós nos consideramos família. Tanto que tudo que a gente faz aqui em casa, seja de congado ou fora do congado, nós, é… a gente coloca como família, família irmã. A partir do momento que entra no nosso reinado, nós nos consideramos família. Então a gente tem uma relação muito boa, não é só dentro da guarda, é qualquer momento, é momento feliz, momento triste, tá todo mundo junto, todo mundo ajudando, todo mundo se ajuda. Na, quando chega a época da festa, nas saídas, ou outras coisas, tá sempre um ajudando o outro, então a gente não coloca como dançante, ou como membro, é sempre família. A gente fala assim, membro, dançante, mas o foco mais a gente se considera família. Não tem outra, não tem outro é… é adjetivo não. 

Mar: Pensando assim que sua avó tem um papel de liderança né, na guarda. Como que você vê essa relação dela com as pessoas da guarda?

Julia: É.. o que eu acabei de falar. É todo mundo junto, ajudando um ao outro, é… é… ela principalmente, nó! Minha avó, se ‘cê chega falar qualquer coisa com ela, ela tenta fazer o máximo pra ajudar a pessoa, não é aquela líder brava, que… não, ela conversa. Sempre quando a gente reúne aqui pra ir pra qualquer festa, a gente faz nossas orações, ela já tem o cafezinho pronto pra todo mundo, antes de ir pras festas a gente já toma café aqui, porque não são todas as festas que têm, então ela tem essa preocupação. E ela já tem uma frase que ela sempre fala com a gente, ó: “Vê o que vê, escuta o que escutar, não comenta no local, comenta em casa, a gente conversa em casa, vamos ir, fazer a nossa parte, mostrar a nossa dança, mostrar a nossa fé, e o que tiver de acontecer, ou o que aconteceu a gente comenta em casa”. Então esse é o jeito dela, não é aquelas brigona “Nó, ‘cê é isso, ‘cê é aquilo, num sei o que”, não, é tudo com carinho, tudo com respeito, tratando todo mundo da mesma forma, é… mesmo o de casa, quanto os de fora, é todo mundo da mesma forma. 

Mar: Tem outras pessoas, assim, que ‘cê vê dentro da guarda, que o papel delas é mais significativo, ou coisa assim?

Julia: Olha… tem a rainha né, que a gente respeita bastante e a minha avó, não que os outros não sejam mas… mas o cargo mais importante são elas.

Mar: Uhum. Que que ‘cê tem a dizer sobre a história da Guarda e a relação que a guarda tem com o Cabana, com o território que ela… que ela nasce né, e se constrói? ‘Cês têm relação com outras guardas aqui do território, como é que é?

Julia: Olha, a história da nossa guarda que a minha vó sempre contou né que ela veio pra cá menina, ela veio pra trabalhar, veio do interior, aqui ela conheceu a família onde ela trabalhava, que essa família tinha né um grupo de congado, que tem até hoje né. E aí ela começou lá né até o dia que, o pai dela também tinha no interior, e aí ele no leito dele já de morte né veio pedir ela que continuasse esse legado dele. Ela ainda demorou, se eu não me engano, uns dois, três anos pra montar uma guarda né, mas foi quando ela montou, aqui mesmo no Cabana, essa história que ela sempre contou pra gente e aí começou a guarda dela. Em relação às outras a gente tem assim com essa guarda que, de onde ela surgiu né, que é a guarda de Seu Zé Francisco, que aqui no bairro também, que é aquela relação da nossa festa, eles virem, eles levantam uma bandeira, na festa deles nós vamos, tem a outra guarda do gameleira, que é a guarda da Silvia, né que é, também era do Jeremias né mas ele veio a falecer, mas a gente tinha esse mesmo contato né, eles vem na nossa festa, tanto no sábado quanto no domingo, ele tem uma bandeira nossa que ele levanta, nós também vamos na dele, tem uma bandeira de promessa que era da minha mãe, que a gente levanta la também. Então relação mesmo nós temos mais com essas duas, com outras guardas é mesmo essas questão de visitar as festas, passar o domingo né com elas, que a festa é o domingo todo. Aí essa é a relação que a gente tem com outras, de outros bairros, se a gente recebe alguma visita de alguma guarda de algum interior, a gente faz o máximo, se esforça o máximo pra tá indo é.. devolver essa visita, porque infelizmente nós não temos ajuda da prefeitura com ônibus nem com nada, nem ajuda da festa nem nada, então somos nós membros mesmo que tiramos pra tá fazendo essas visitas. Então é dessa forma que a gente faz.

Mar: É… Como que a guarda se organiza? E ‘cê já começou a falar um pouco, já… já entra até nessa pergunta também, que é: Como que você avalia a relação com a prefeitura e o processo de registro da guarda também? 

Julia: Com as guardas de Belo Horizonte eu acho ruim. Porque assim, as guardas do interior, ou as guardas que são conhecidas como quilombolas, eu não posso falar por todas né, que eu não sei se são todas, mas eu sei que algumas, se for pra vir pra Belo Horizonte ou pra qualquer festa do interior tem ajuda com ônibus, essas coisas assim e nós aqui infelizmente não temos né, as guardas de Belo Horizonte não tem, então… nem ajuda com ônibus nem ajuda na festa por exemplo, igual a festa da minha avó agora em maio, são os membros, amigos das comunidades, das comunidade que a gente fala né é aqui do bairro do Cabana que nos ajudam. E também né, o evento que a gente faz que é a feijoada, aí vem pessoas, amigos, de outras guardas, de outros bairros que vem comprar nos ajudando também, então é dessa forma, a gente não tem essa ajuda. Em questão do registro ela é um pouco burocrática né, se eu não me engano tem a quantidade certa de integrantes que nós não temos, tem toda uma burocracia né, então ainda nós não somos registrados assim dentro da prefeitura ainda.

Mar: A prefeitura nunca propôs nenhum diálogo com vocês, a secretaria de cultura?

Julia: Não, não, não, nem vem na nossa festa nem nada. 

Mar: Você considera que o congado ele precisa ser mantido e respeitado dentro da Cabana? Você avalia que o congado está sendo esquecido ou deixado de lado pelas pessoas?

Julia: Sim. Aqui dentro do Cabana a gente é… Graças a deus a gente não tem assim muito caso de desrespeito, tem mas poucos, às vezes um morador ou outro que não respeita, é… a gente consegue o alvará mas não consegue é… policiamento o tempo todo, não vem a BHTrans pra fechar e a gente não consegue, então a gente só tem o alvará que é a licença, a folha da prefeitura. Então que que acontece, com isso, somente com o alvará, passa carro normalmente e aí as pessoas tem que ficar arredando, ou algum morador que acha ruim por causa do barulho ou por causa disso, mas é bem… bem pouco sabe? É… eu acredito que o congado tá muito esquecido sim, eu acho que as pessoas têm pouco conhecimento, pra muitos é… é…

Julia: Pra muitas pessoas o congado é macumba, é espiritismo, é contra Deus, é… porque é falta de conhecimento, ou mesmo que explique a pessoa não quer entender. A gente tem problemas às vezes com algum evangélico, que o mais que rejeita né a nossa religião, a nossa cultura, e acho que é pouco… pouco falado sim, eu acho que tinha que ter é… é… mais coisas, mais é… é… procurar saber mais, quando sai alguma coisa sai mais é sobre os quilombolas, entende? Não é só os quilombolas que têm. Aqui em Belo Horizonte tem muitas guardas, muitos bairros que fazem festa, que precisa de apoio, que as pessoas precisam entender o que é, sabe? Muitas pessoas gostam mas muitas não. Então eu acho que deveria ter sim sabe mais coisas na televisão, eu vejo que às vezes tem novela que uma vez colocou mas bem pouco, eu acho que tinha que ser mais divulgado sim, tinha que ser mais trabalhado essa situação porque nós somos é… é… muito julgados né, não falo só pelo congado mas tem outras religiões que sofrem também. Então acho que é falta sim de é… é… um estudo melhor, uma divulgação melhor.

Mar: O que fazer pra resistir a esse processo de apagamento, Julia?

Julia: Eu acredito que é mantendo a nossa fé, acreditando… e continuar na luta, que a gente existe, que o congado existe, que não é o que as pessoas pensam, nunca foi, né? É, é… Existe sim, é… espíritas, existem sim centros, mas as pessoas precisam de saber a diferença entre o congado e entre o espiritismo, que é o que elas juntam e é onde nós somos, né, muito discriminados. Então eu acho que cada um com sua religião, cada um respeitando o outro, então eu acredito que a única forma que a gente tem de combater é não desistindo da nossa religião como muitas pessoas faz que eu conheço muito congadeiro que já mudou de religião, né, já foi pra religião evangélica, é um direito da pessoa, mas eu acredito que pra gente mostrar o que somos e não tendo vergonha, é batendo no peito: “Eu sou do congado sim, não tenho vergonha!”. Não tenho vergonha de sair na rua, não tenho vergonha das pessoas do meu bairro ver que eu danço, que eu participo, que a minha avó é. E eu acredito é nisso. 

Mar: Como que o congado é importante pra sua espiritualidade? Né, tem os cantos, tem as danças, as orações, as rezas, como que isso é pra você assim?

Julia: Nó!

Mar: Pra sua espiritualidade, né? Como que isso contribui pra sua espiritualidade?

Julia: Ah, pra mim é importante em tudo, não é só no momento em que a gente tá ali dançando que a gente canta, que a gente reza, as vezes eu to fazendo uma comida me vem uma música do congado, eu to  cantando, quando eu tô muito triste eu lembro das músicas de Nossa Senhora que minha avó canta e eu canto também. Quando eu tô tendo um pesadelo daqueles que ‘ocê não consegue, parece que tem alguém que tá te sufocando alguma coisa assim, a primeira coisa que vem na minha mente é as músicas do congado, são as orações que a minha avó nos… que a minha avó ensina pra gente. Então a todo tempo tá na nossa cabeça, não sai, quem realmente gosta, não sai, tudo que ‘cê tá fazendo tem uma hora que do nada ‘cê tá cantando uma música do congado. Hoje mesmo eu tava com uma colega aqui eu até… do nada ela começou a cantar aí eu falo com ela: “É, já tá bom que ‘cê já cantou demais”. Mas quando eu assusto eu mesmo já tô cantando também. Então não tem jeito, fica na nossa cabeça, sempre que a gente precisa, vai fazer uma visita a uma pessoa doente, é as orações que a minha avó, é… é… ensinou a pessoa reza também junto, as músicas. Tem gente da igreja que não é frequente com o congado, não vai nas saídas nem nada mas por participarem das coisas aqui em casa, igual a novena, a novena mesmo nossa que vai começar agora dia 11, o pessoal  vem, da igreja vem, eles não são frequentes nas saídas mas participam quando as coisas é aqui em casa. Eles vem na novena, já sabem as músicas, já sabem as rezas, respondem junto com a gente, então é… é… acaba que pega todo mundo e não tem como fugir.

Mar: E como que ‘cê faz essa conexão entre o congado e a sua espiritualidade?

Julia: Olha, eu… é… O tempo todo sempre pedindo a Deus porque por dentro, né, eu to com uma “N” de situações, que não tão nada… nada legal, nada bacana, então eu preciso mais, bem mais… mas eu fico o tempo todo conversando com São Benedito, sei nem se ele já não tá aguentando mais me escutar, São Benedito, Nossa Senhora do Rosário o tempo todo é… é… em conexão com eles pedindo e eu acredito que eu sou atendida sabe? É… é… por mais que falam pra mim: “Ah, não existe, o único que nos responde é Deus”, “Esses negócio de promessa não existe”, igual já me falaram várias vezes: “Esse negócio de promessa não existe”, não, mas pra mim existe, eu acredito, sabe? Eu sempre tenho uma resposta do que eu tô precisando, do que eu tô perguntando. Então eu acho que a conexão é bem forte, a conexão é bem grande, e por mais que as pessoas tentam colocar na cabeça da gente que não existe eu sempre falo com minha mãe assim ó: “Ô mãe, quando Deus ver que tá na minha hora, e eu espero que bem velha caindo aos pedaços, eu chegar lá em cima e descobrir que nada disso é verdade, como eles falam, eu vou tá feliz do mesmo jeito porque enquanto eu vivi eu defendi a minha fé, eu defendi a minha crença, eu defendi o que eu acreditava e o que eu gostava”. Então, é… é… é uma conexão que eu não sei te explicar, não dá pra explicar, é muito forte.

Mar: Julia, tem mais alguma coisa que eu não perguntei, que ‘cê queira falar, contar algum caso, alguma história, algum momento importante pra você e pra guarda? Esse é o momento. 

Julia: É… a conexão mesmo, a conexão mesmo, é… a gente já teve aqui vários milagres na nossa vida acreditando na nossa fé, é… sempre assim uma doença, um… quando eu fui ganhar menino que o  meu parto foi difícil, minha avó agarrou com eles… Mas eu acho que o maior de todos foi a minha mãe, a minha mãe voltar da intubação da Covid-19. A minha avó ficava todos os dias com a blusinha dela aqui ó, a blusinha dela aqui e a televisão na missa, o dia inteirinho a televisão ficava na missa na tv Aparecida e toda vez que meu irmão chegava do serviço, que ele chegava a noite e cada ligação dos médicos, que eles só podiam ligar, a gente não podia visitar, só podia ligar a noite, cada ligação do médico mesmo ele falando que ela tava só piorando e não tava respondendo aos tratamentos a gente vinha aqui no oratório, acendia a luz, acendia uma vela e fazia uma roda todo mundo aqui de casa e pedia, e pedia, e pedia, até o dia que o médico ligou pra falar que ela já tava entrando em óbito. E… a minha avó, né, nós não queríamos que ela atendesse o telefone, acabou que ocasionalmente ela atendeu e o médico falou isso pra ela, e ela só virou pra ele e falou: “Olha, eu sei que vocês são os médicos, mas o médico dos médicos é Deus, e quem é por nós, quem será contra nós? Se Deus é por nós, quem será contra nós?”. E depois do desespero total, né, que não tem nem como ‘cê receber uma notícia dessa e ficar tranquilo, depois do desespero total, meu irmão desesperou, minha avó chorando, minha irmã chorando, eu que tinha chegado, que eu também tava internada junto com ela, só que graças a Deus eu não precisei intubar, ela sim…

Mar: Cê foi Covid também?

Julia: Sim, Covid também. Nós duas internamos no mesmo dia só que ela chegou precisar da intubação, eu não, eu fiquei 15 dias mas saí, fiquei os 15 dias no oxigênio e depois consegui ficar uns 3 dias sem então tive alta, e só depois que eu cheguei que eu fui descobrir que a minha mãe tava entubada, que a gente tava no mesmo hospital mas não podia ficar junta. E depois dessa ligação, depois que todo mundo deu uma acalmada novamente fizemos a roda e pedimos, e pedimos, e pedimos, e foi assim uma conexão tão grande entre nós e entre os nossos intercessores, que são os intercessores a Deus, mais a nossa família que gente chama família do congado cada um na sua casa, na igreja todos os sábados, que na ligação do dia seguinte o médico falou que não sabia como explicar que ela tava começando a reagir aos tratamentos. Então assim bem pouquinho mas cada dia foi respondendo mais e cada dia continuava a roda e sempre aqui no oratório, sempre fazendo a roda, sempre pedindo, sempre pedindo, então não tem como uma pessoa chegar pra mim e falar: “eles não existem”. Não tem. Como eu já ouvi várias vezes, pra mim, pra nós, existem. Claro que Deus é o maior de todos mas tem os seus intercessores, tem os intercessores por nós e nós acreditamos e vamos manter acreditando. A nossa fé em Nossa Senhora, São Benedito, e todos os santos que tão junto com eles, a gente vai acreditar, sempre, sempre, sempre, porque sempre que a gente pede a gente é atendido, graças a Deus. Então, é… é… ah, eu não sei falar mais porque… é só paixão mesmo, eu gosto demais do congado, não tem… não tem explicação mesmo. 

Mar: Quer contar mais um caso, deixar um recado pra alguém?

Julia: Eu quero deixar um recado pras pessoas que gostam, pras pessoas que acreditam pra não perder a fé, não desanimar que um dia a gente vai conseguir colocar na cabeça das pessoas, respeitar, não fazer a pessoa ser o que a gente é mas respeitar, respeitar a nossa religião, respeitar a nossa história que vem de anos, anos, né? É… respeitar tudo que a gente idealiza, né, assim como nós também respeitamos, porque uma coisa que minha avó sempre me ensinou: a respeitar a religião dos outros, não criticar, cada um com a sua e que um dia nós vamos vencer, né? Se Deus quiser. Um dia a gente vai poder sair na rua sem medo de evangélico vim pra cima, né, sem medo de retaliação, né, nós já tivemos uma vez que nós fomos buscar uma bandeira da nossa festa que a moça, né, jogou água quente na gente, foi, nós fomos buscar, né, a bandeira no sábado, a moça jogou água quente…

Mar: Que isso!
Julia: Aí minha avó… o rei, né, a gente foi buscar o rei na verdade na casa dele e aconteceu isso, né, o rei tava presente, viu, no dia seguinte foi lá dentro, né, conversar com o pastor, contou pra ele. O pastor pediu desculpa e conversou com essa moça da igreja que fez isso, né… A gente não tava indo na casa dela, a gente tava passando na rua, né, a gente tem todo o direito disso mas infelizmente aconteceu esse fato. Como também já teve pessoa que já saiu de dentro da igreja pra discutir com a gente porque a gente só estava descendo a rua uniformizados com a roupa do congado, a gente não tava nem batendo nem nada, a gente tava chegando de outra festa porque como os ônibus não para aqui, não passa nessa rua a gente desce lá em cima no início do morro, então a gente vem descendo, a mulher saiu de dentro da igreja pra brigar, pra xingar, pra esconjurar: “vocês é isso, vocês é aquilo, não sei o que”. No dia da nossa festa, é… uma moradora que achou ruim porque ela queria sair com o carro mas tinha um cone lá na rua que nós mesmos colocamos porque nós temos o alvará, né, mas aí nós mesmos colocamos o cone porque toda hora tava passando carro e quase que uma criança foi atropelada, então a gente foi lá e colocou aí ela achou ruim. Então, é… é isso. É essas questões que a gente pede, né, que as pessoas respeitem porque é um, um domingo.

Mar: Onde ‘cê acha que tá a raiz desse problema? Por que as pessoas não aceitam o congado?

Julia: Acredito que por não conhecer, né? Como eu… eu… falei antes, muitas pessoas chamam de macumba. Porque pra muitas pessoas o centro espírita não é bem visto, o centro espírita é para maldade, o centro espírita é pra fazer mal, é pra isso, é pra aquilo, então pra eles, pelo fato, eu, eu acredito que seja isso. Pelo fato do congado ter tambor, né, ter as roupas, cada guarda tem a sua vestimenta de tradição, as pessoas associam a isso, sabe? Então eu acho que é realmente a falta do conhecimento. Mas também a pessoa não quer procurar aprender ou entender que hoje em dia a gente tem a internet, se você colocar lá no Google “que que é congado”, vai sair o que é congado, se você colocar “o que que é um centro espírita”, vai sair o que que é um centro espírita, mas as pessoas não querem ter esse tempo para pesquisar. “Pra que que eu vou ler isso?”, “Pra que que eu vou querer saber isso?”. Então é mais fácil atacar, que é a forma que eles fazem. Na escola mesmo quando eu era criança, ô pai! O que eu era chamada de macumbeira, de feiticeira, os menino é… chegava no mês de maio, que era a nossa festa, uf! Era a parte mais zoativa que aí os meninos ficava imitando o povo dançando, é… é… é falta de conhecimento, falta de conhecimento, falta de saber mais. Não adianta ‘cê virar e falar assim: “Ah, não, não tem cen…”, “Não existe centro…” Existe sim! Mas cada um tem seu jeito, cada um tem sua cultura, cada um tem sua história, mas as pessoas associam tudo a uma coisa só. 

Mar: E dizem que essa coisa que elas associam é uma coisa ruim também, né?

Julia: Sim, sim. Infelizmente.

Mar: Mais algum recado?

Julia: Não…

Mar: Caso?

Julia: Não… (risos)

Mar: Então é isso, terminamos Julia.

Adalgisa: Então Júlio a gente vai começar a nossa entrevista, né?! Conforme a
gente havia combinado antes. E aí, queria que você nos dissesse, nos contasse, um
pouco sobre quem é você, né?! Quem é o Júlio? Onde que você nasceu? Onde que
você vive? O que que você faz?
Júlio: Vamô lá. (Risada)
A: Vamô lá.
Júlio: Vamô lá. Então, meu nome é Júlio. E…Eu cresci aqui mesmo. Nasci aqui em
BH, mesmo. Desde pequeno, sempre aqui no Cabana. Nunca viu o… tipo de menino
que cresceu na rua. Sempre fui mais de dentro de casa mesmo. Sempre
aprendendo com a minha mãe e com a minha vó, o que elas foram passando no dia
a dia. Sempre assim. E…Sempre fui de batalhar muito pelas minhas coisas. Sempre
corri atrás da forma que eu podia, porque aqui em casa minha mãe nunca deve
aquela coisa de… sair danô… presentes, esses negócios assim. A gente sempre
aprendeu a conquistar as coisas. E assim eu fui crescendo…E…Atualmente, eu tô
trabalhando, sou expedidor em uma empresa aqui em Belo Horizonte mesmo, no
centro.
Adalgisa: Uhumm…
Júlio: Trabalho muito na verdade. Muito cansativo, mas vamô indo devagarzinho,
conquistando… as coisas devagar… Aqui no bairro, no decorrer da… do meu
crescimento, eu gostava mesmo era mais de jogar bola na escola. Eles abriam a
quadra para a gente pode brincar e tal. No mais era… era mais isso. Aí eu… eu fui
levando assim. (risada)
Adalgisa: Uhum Uhum… sim sim. Tá. E conta para gente, como e por quê, de que
forma você se relaciona com as práticas de Congado. Como que isso, né assim, foi
crescendo na sua vida, sua participação… como que se deu?
Júlio: Hum… Em relação ao Congado, é… desde quando eu nasci. Cresci dentro da
guarda. A guarda foi formada pelo, se não me engano, pelo pai da minha avó. E
assim, ela veio trazendo a tradição.. e assim a gente vai levando também. Para mim
a parte mais importante no.. no Congado justamente é a minha função. Eu sou
caixeiro. Então, desde que eu me lembre, na verdade, sempre gostei de ficar
batendo nas coisas… tocando caixa, e…Sou muito apegado no Congado mesmo
quando a nossa guarda não vai em alguma apresentação, eu sempre busco tá indo

em algum lugar que tenha Congado. Sou… posso dizer que eu sou piolho de
Congado.
(Risada)
Júlio: Qualquer lugar, eu estou indo…
Adalgisa: Sim…
Júlio: A pessoa fala comigo “Ô tem congado em tal lugar…” se eu não tiver fazendo
nada, não tiver trabalhando, eu tô indo. E… gosto de me interagir desta forma com
as pessoas no Congado. Sempre peço para tocar nas outras guardas. Sempre
aprendendo mais e também passando um pouco do que eu sei. E acredito que eles
também vão aprendendo um pouco comigo, porque o nosso estilo de tocar no.. no
congado é um pouco diferente do que o da.. das demais guardas.
Adalgisa: Sim…
Júlio: Então, aí… Desta forma, a gente vai aprendendo e passando também para as
pessoas. E assim, eu fui crescendo, desde pequeno sempre no Congado… louvado
Deus, Nossa Senhora, todos os santos… Cada festa é sempre uma uma emoção,
uma alegria… E … é algo que eu não quero perder na minha vida, é o Congado. Se
Deus permitir até…
Adalgisa: É uma tradição familiar, né?
Júlio: Tradição familiar.
Adalgisa: Tradição familiar…
Júlio: Quero tá presente no Congado no resto da minha vida.
Adalgisa: Sim… Sim..
Júlio: Não largo de mão… De jeito nenhum.
Adalgisa: Entendi…
Brisa: Júlio, teve uma vez que eu estava conversando com o Alexander, e ele falou
sobre vocês… a relação de vocês com os instrumentos. Vocês também fabricam os
instrumentos? Ou vocês compram eles prontos? Como que funciona essa relação
de vocês com os instrumentos?

Júlio: Certo. A gente… não fabrica assim. A gente…comprou. Na verdade, as
últimas caixas nossas, que a gente chama de caixa, os tambores, a gente ganhou
de uma pessoa. Na verdade, eu nem conheço essa pessoa. Ela era muito amiga da
minha vó. E isso já tem… acho que sei lá, uns… quase uns dez anos isso. Então, a
gente não compra as caixas. E… estas caixas que a gente tem atualmente, a gente
apenas vai reformando elas. De ano em ano…a gente compra as cordas, os
couros… a gente vai trocando. Eu aprendi na marra a arrumar, a apertar, estas
coisas assim. Nunca fiz um curso, igual antigamente tinha. Curso para aprender até
a fazer as caixas, eu não tive. Eu simplesmente fui olhando como que era a
amarrada e fui tentando seguir… e deu certo. Não sei nem até hoje se eu faço certo
ou se eu faço errado, mas vai, acabou indo.
Adalgisa: Tá funcionando né?!
Júlio: Tá funcionando!
(Risada)
Júlio: E nisso, eu fui passando pros meninos da… dos demais caixeiros também.
Então, assim, toda vez que a gente precisa arrumar as caixas, a gente se comunica,
junta aqui no terreiro e a gente começa a trabalhar nelas. Deu certo! As caixas estão
boas aí até hoje! Graças a Deus!
Adalgisa: Sim sim… É… E né?! Você falou da sua participação da guarda. E o que
ela tem de especial?
Júlio: Você diz…
Adalgisa: O que está guarda tem de especial? Na sua visão.
Júlio: Para mim, tudo! O jeito que a gente chega nos lugares, com humildade, a
nossa visão de sempre louvar Deus, Nossa Senhora. Não é para fazer bonito para
ninguém, sabe?! A gente é o tipo de guarda que é muito humilde. A gente não tem,
vamos dizer assim, tantos participantes, é mais… somos mais família mesmo. Mais
gente da família e amigos da igreja, que são os participantes da guarda. Então, eu
acho que a gente tem de especial é isso… E como se fosse uma segunda família.
Quando junta todo mundo da guarda, a… a senhorinha que fica na guarda coroa, os
demais dançantes. Como se diz… Como se diz… tudo parente.
Adalgisa: Se torna uma grande família, né?!
Júlio: Se torna uma grande família! As doninhas chegam aqui, e é “Bença! Bença!
Bença!” Educação em primeiro lugar e assim a gente vai para os demais lugares. A
gente vai criando parentes também nos demais lugares. Tem gente de outras

guardas que não tem parentesco de sangue nenhum, mas a gente identifica como
se fosse da família também. Vai chegar “Benção!” e assim a gente vai levando…
Adalgisa: Faz parte! Se sente pertencente mesmo, né?!
Júlio: Com certeza!
Adalgisa: Legal !
Júlio: E é assim desde pequeno. Foi assim que a minha avó me ensinou, e assim
que eu venho passando pros pros demais.
Adalgisa: Uhum…
Júlio: Igual minha… Pra minha avó, todo mundo é “Tia Odete”, todo mundo chega
aqui chama “Tia Odete” ou “Vovó Odete” e assim vai… Muita gente.
Adalgisa: Sim sim… Uhumm… Você até falou um pouquinho, mas o que quê você
tem a dizer para as pessoas da guarda e as relações que vocês têm entre si, né?!
Que foi um pouquinho disso que você descreveu.
Júlio: Bom… as pessoas da guarda… tem tem gente que já conheço desde
pequeno, tem gente que já fez parte da guarda deu uma afastada e agora vem
retornando, tem gente veio… que entrou recentemente. E … assim, vai criando
vinculo, amizade, igual uma das pessoas recentes da nossa guarda, ela viu a gente
numa apresentação que a gente fez aqui no outro bairro do lado , encantou com a
nossa guarda, pediu para entrar na guarda, e… braços abertos, pode ficar a
vontade!
Adalgisa: Receberam.
Júlio: Recebemos! E hoje a gente tá aí, firme e forte, criando vínculos com a gente
também. E assim, a gente vai levando… Nós fazemos desta forma. Chama..
Chamando de tio também, os mais velhos deste mesmo jeito.
Adalgisa: Sim… sim… Ok.
(pausa)
Adalgisa: Tá… é e o que você pode nos dizer sobre a história da guarda e da
relação dela com a Cabana? Como que inicia se esta história dentro aqui da
Cabana?
Júlio: Bom… Sobre isso eu vou ser sincero, eu não sei muita coisa a respeito.

Adalgisa: Uhum…
Júlio: Já vou me contado inúmeras e inúmeras vezes, mas…
(Risada)
Adalgisa: Sim…
Júlio: E… tipo assim né?! A gente meio que vai e esquece assim, mas… Eu acho
que a guarda é… ela foi fundada pelo pai da minha avó, até onde eu sei, na
verdade, a guarda era unida com uma outra guarda que tem aqui perto também…
que tem ali no na parte de baixo do Cabana. E… eram as duas guardas juntas, só
que quando, eu acho que meu avô veio a falecer, bisavô, eu acho que era o pai da
minha avô. Ele pediu para a minha avó criar uma guarda. Eu acredito que, mais ou
menos, que seja assim. E nisso, a gente sempre teve aqui na comunidade, aqui na
Antena como a gente fala, na comunidade de Nossa Senhora Aparecida. E assim, a
gente foi vindo. Passando aqui de geração em geração… e crescendo desta forma
aqui no bairro. Sempre foi neste pedacinho daqui do alto mesmo. Mas é a guarda
em si é conhecida no bairro Cabana inteiro, na verdade.
Adalgisa: Sim.
Júlio: Se você perguntar “A Guarda da Dona Odete?”, todo mundo sabe onde que é!
E já vem de muito muito muito muito tempo mesmo… muito tempo mesmo. Aí é.. eu
acho que é mais ou menos isso mesmo. Não sei dizer tanta coisa sobre como a
guarda foi fundada ou desde quando que foi.. Sei que este ano a gente tá fazendo
30 anos.
Adalgisa: 30 anos…
Júlio: 30 anos de Guarda. Então tem muita… muita história, muita coisa… já foi
contada para a gente várias e várias coisa, mas assim lembrar de tudo tudo é…
díficil.
Adalgisa: Sim… sim…Tá
Brisa: Júlio, como que acha que a comunidade enxerga o Congado?
Júlio: Olha… a gente sempre os bons olhos e também tem as pessoas de
ma…má…maus olhos né?!
Adalgisa: Uhum…

Júlio: Mas a gente leva com respeito também. E… As pessoas que gostam sempre
tá vindo, sempre ajuda, gosta de ver o Congado. Tem as pessoas que fazem as as
zuações também, aquela coisa, faz falta de respeito com a gente. Mas eu acho…
até acho um coisa normal, tem gente que aceita e tem gente que não aceita. E… as
pessoas mais jovens, que que muitas vezes criticam a gente eu acho que vem até
da própria da própria família. Vamos supor assim, se tem alguém da casa deles que
não aceita, aí passa uma uma situação diferente do que é o Congado. Aí tipo assim
fala “Ah… o Congado é macumba!”. Então aquela criança mais jovem vai crescer
com aquilo na cabeça. Aí a gente tenta explicar que não tem nada haver uma
relação com a outra.
Adalgisa: Desconstruir.
Júlio: Tenta ensinar, explicar o quê realmente é o Congado. Muitas pessoas
entendem, outras não. Mas isso nunca impediu a gente de… de tá festejando, de tá
fazendo a nossa festa, de tá indo nos lugares. A gente vai super na boa, super
normal.
Adalgisa: Uhum… E Júlio… É então tem outras guardas aqui na região também,
né?! Na Cabana. E existem uma relação com elas? Entre vocês? Como que
funciona? Ou se não funciona.
Júlio: Sim… Tem tem uma relação boa. Tem uma Guarda até num bairro vizinho,
aqui no Nova Gameleira, e tem uma Guarda aqui em baixo, aqui na… mais próxima
do centro da Cabana, ali na rua João Pires. A gente sempre teve uma relação muito
boa, sempre uns ajudando aos outros nas festas. Muitas vezes tinham lugares que a
gente ia apresentar, que vamos supor assim, a gente sempre custeou a nossa
passagem de de especial, aquela coisa assim, a gente nunca foi de ganhar ônibus
para ir aos lugares. Então, às vezes é um lugar que as Guardas us… in… as as
Guardas iam no mesmo lugar a gente dividia o ônibus, e… pra ficar um custo
bacana para todo mundo, iam na mesma apresentação.
Adalgisa: Acessível para todo mundo.
Júlio: Então ele e… iam… e… ajudam a gente nas nossa festa e a gente ajuda eles
na nas festas deles também. E assim a gente foi criando uma relação bacana,
quanto a isso, as Guardas que tem aqui.
Adalgisa: Interessante, Interessante, né?! Tá… É… E a Guarda, né?! Ela tem
alguma relação com outras Guardas de Belo Horizonte? Por que a gente falou bem
aqui do nossa território, né?! Da Cabana. E em relação a outras Guardas de Belo
Horizonte, Minas Gerais?
Júlio: A gente tem relações com bastante Guarda. Graças à Deus!

A: Estão integrados!
Júlio: A gente sempre é…. sempre é convidado para bastante festa. Não tem como
a gente ir em todas, porque muitas vezes coincide de uma festa ser no mesmo dia
da outra. E… mas a gente tenta fazer a nossa parte, tenta visitar, vamos supor se a
gente foi em um lugar esse ano, e… outro lugar também tem no mesmo dia, a gente
vai no próximo ano. Aí a gente tenta fazer assim.Mas, graças à Deus, a gente tem
relação com praticamente, eu acho que todas as Guardas que tem em Belo
Horizonte, e também no ao redor assim da região, né?! Vespasiano, e…
Brumadinho…
A: Região Metropolitana…
Júlio: Região Metropolitana assim, a gente tem bastante relações. Graças à Deus!
Isso que é bom!
(Risada)
Adalgisa:Ok… E como que você avalia a relação com a prefeitura e o processo de
registro da guarda, se existe? Como é? Como funciona?
Júlio: Olha, eu não sei bem como que funciona, eu não sei se a gente recebe
alguma ajuda da prefeitura mas eu acho que a gente não recebe, porque a maioria
das coisas a gente sempre a gente faz doação, as pessoas que podem doar com a
gente mesmo faz nosso custo, eu não sei dizer se tem se a gente consegue
algumas coisas pela prefeitura, mas eu acho que a prefeitura sabe de todas as
guardas que tem em Belo Horizonte, alguma coisa assim, não sei muito bem a
relação que tem. Não sei se a gente tem registro com a prefeitura ou não.
Adalgisa: Sim. Ok!
Adalgisa: Ehh, tem uma próxima pergunta, que ela vem nos trazer né, É você
considera que o Congado precisa ser mantido e respeitado dentro da Cabana?
Júlio: Sim, com certeza! Isso aqui, desde que eu nasci, desde que eu cresci sempre
teve o congado, eu acho que… acredito eu que não deve deixar de existir seja ou
por qualquer motivo assim eu acho que sempre vai ter o Congado aqui na cabana,
assim passando de geração em geração bom sempre isso é o que eu espero né
porque se depender de mim… fica… ehh eu acho que o Congado acaba sendo
parte daqui de dentro né, eu acho que eu num vejo o Cabana, a Cabana aqui em si,
sem ter uma festa de congado por exemplo sabe.
Adalgisa: Uhum Uhum…

Júlio: É… eu acho que isso deve se manter sim eu acho que vai se manter sim por
muitos e muitos anos, ainda.
Adalgisa: Simm
Adalgisa: E acompanhando toda essa história né, Como que você avalia né, o
Congado se ele está sendo esquecido? deixado de lado pelas pessoas? ou não?
Júlio: Nãoo, eu acredito que não. Acredito que deixado de lado não…Porque… éee,
acredito eu né que na maioria das guardas seja como a nossa aqui, acho que seja
mais família né e vão criando vínculos também com outras pessoas se criando
família, então eu acho que, os componentes da nossa guarda e das demais guardas
também, acho que elas vão passando isso para os pequenos, os pequenos quando
crescerem e tiverem filhos também vão passar isso para os filhos dele aí eu acredito
que o Congado sempre vai continuar crescendo eu acho que não vai ser esquecido
não.
Adalgisa: Não vai se apagar?!
Júlio: Não vai ser não…
Adalgisa: Uhum …Sim! OK!
Adalgisa: É… e nos conte por favor, como, que o congado, né, de que forma que o
congado, assim, passa pela importância da espiritualidade? De que forma, né, que
ele se apresenta ? Como o congado é importante para a sua espiritualidade?
Júlio: Eu acho, pra mim… quando eu tô no Congado, quando eu tô no congado, eu
me sinto Tipo, como se fosse uma libertação tipo uma paz, sabe… tipo assim, nada
vai me tirar do sério, os problemas que acontecem na nossa vida pessoal…são
esquecidos, tô ali em contato com Deus, com nossa Senhora, pedindo proteção
(ruídos – cachorros latindo no fundo)…ée pra me proteger dos males do dia-a-dia,
como se eu tivesse fazendo uma oração, antes de dormir ou então na hora que eu tô
acordando..e dentro do..pra mim..dentro do congado eu me sinto assim, como se eu
tivesse numa paz e conversando a todo momento com Deus, como se Deus tivesse
ali comigo o dia inteiro, e tocando, fazendo a festa, Nossa Senhora e pra São
Benedito, ali louvando, louvando a Deus ali naquele momento.
Adalgisa: Uhum, Uhum, Certo!
Adalgisa: É…Tem alguma coisa que nós não perguntamos que você gostaria de nos
dizer? ou de contar, um caso, alguma história? algo que foi interessante aí, durante
essa trajetória?

Júlio: Uai..eu acho que vocês perguntaram tudo!
Adalgisa: “Risos”
Júlio: Eu porque, como falei…”sou meio tímido”, então assim ,né! maisss…Eu acho,
que muitas vezes as pessoas às vezes misturam, o Congado com outro tipo de
religião que ela tem, isso… não critico quem tá ali no Congado e com outra religião
mas eu acho que as pessoas não deveriam misturar as coisas, que eu acho que é
isso que acaba confundindo até outras pessoas que não entendem do Congado ou
até criticam o Congado. Eu acho que por isso que as pessoas até pensam que o
Congado seja outro tipo de coisa…
porque não digo infelizmente mas tem pessoas né que por exemplo faz parte do
Congado mas também faz parte do Espiritismo aí acaba misturando as duas coisas.
Acho que as pessoas deviam separar se ela tá ali no centro espírita dela, ela está no
centro espírita dela, se ela está no Congado ela está no Congado não misturar as
duas coisas no lugar só, nem levar o Congado pra dentro do Espiritismo e nem
trazer o espiritismo para dentro do Congado. Infelizmente tem alguns Congadeiros
que acabam fazendo isso não sei se intencionalmente ou sem intenção mas eu acho
que se separassem as duas coisas – Congado, Congado – Espiritismo, Espiritismo –
acho que seriam o mais fácil para as pessoas de fora até compreenderem a
diferença que uma coisa tem da outra. E às vezes passaria até criticar menos ou até
tentar entender mais como que funciona cada coisa, porque cada um tem a sua
religião, e eu acho importante as pessoas tentarem entender um pouquinho de cada
religião, Catolicismo, Evangélicos, Crentes, Universal, Congado, o Espiritismo,
Umbanda, aprender um pouquinho de cada coisa para não ficar aquela coisa de
criticar um aqui, criticar outro ali, ficar naquela, vamô dizer assim, naquelas
discursão, sobre aquilo igual às vezes pode ser que aconteçe, sabe! Eu acho que
isso seria muito importante, as pessoas fazerem.
Adalgisa: Evitaria, Sim! Uma distorção, né, do que realmente é.
Júlio: Do que realmente é.
Adalgisa: Uhum!
Brisa: Júlio tem uma última pergunta, eu fiquei interessada. Você falou que você
gosta muito de tocar e você se sente de fato envolvido quando cê toca. Como que
cê descobriu que é aquele instrumento que cê queria? Porque dentro do Congado
tem outros instrumentos né? Como que cê se identificou como que foi sua trajetória
até você chegar nele?

Júlio: Olha, eu acho que pelo fato de desde pequeno, eu sempre tá batendo nas
coisas. E assim desde que eu consigo me lembrar né, é lápis… hoje em dia até
meu sobrinho também faz isso, pega lápis de cor de escola fica batendo nas coisas
mas para mim, o que eu me identifiquei no máximo, máximo mesmo, foi quando a
minha vó me deu minha primeira caixa de Congado pra eu bater. E isso eu não me
esqueço, eu era, só não lembro que idade que eu tinha, não sei se eu tinha uns
quatro ou cinco anos de idade mas a primeira caixa que a minha avó me deu e eu
não largava ela de jeito nenhum. Era no Congado, era dentro de casa, era, iia para
escola chegava já pegava para tocar e ficava aí tocando dentro de casa enchendo a
cabeça do pessoal, a ponto da minha avó xingava, pra parar de bater, eu acho que,
eu acho que foi a partir desse momento, quando a minha avó me deu minha primeira
caixa pra mim tocar já coloquei não, vou ser Caixeiro, eu sou Caixeiro mesmo e se
me colocar no meio para cantar de Capitão a voz não é boa não mas a gente tenta a
gente também tá ali na fila dançando porque também tem outros Caixeiros, estão
querendo ou não ficar ali o dia inteiro tocando o braço dói a gente, cansa, então a
gente tem que revezar a gente vai ali para fila dança, toca outro instrumento também
mas se deixar eu ficar o dia inteiro só tocando fico o dia inteiro sem reclamar, sem
nada, eu tô ali, “firmee”. Ali, firme e tocando caixa. Tocando tambor!
Adalgisa: Então, em alguns momentos, acaba passando assim por outros papéis,
também.
Júlio: Sim, com certeza.
Adalgisa: Uhum! Sim!
Júlio: Porque vamos supor a gente chega em uma festa de Congado, entre 07:30/
08:00hs da manhã, por aí e fica até 17:00/18:00 da tarde, então aquele pique o dia
inteiro é cansativo. Então tem que dar uma revisada e tal…
Adalgisa: Entendi.
Júlio: Querendo ou não a gente tem que batalhar o resto da semana também no
serviço então até para ser mais tranquilo aí a gente vai revezando.
Adalgisa: Sim, Sim!! Mais alguma questão ,Brisa?
Brisa: Não! Acho que foi isso!
Adalgisa: Foi isso!!
Adalgisa: Então tá Júlio! Nós agradecemos né, a sua participação e fica à vontade
né, para dizer algo que a gente realmente não perguntou que você queira expressar,
ou nos dizer?

tá ok?
Júlio:Tranquilo! Pra vocês, desculpa pela timidez, mas não tem jeito não viu (risos),
não foge, não vai embora essa timidez, mas aí qualquer coisa, estamos aí!
Adalgisa: Nós agradecemos, tá!!
Júlio: Eu que agradeço,vocês!
Adalgisa: Ok!

Vídeo realizado ao final da entrevista – Pontos que julgamos importantes
registrar.
Tempo: 3:44 min.
Júlio: Éee teve uma festa uma vez que a gente ia ir, antes da pandemia, a emoção
que eu sinto pelo Congado é muito grande, eu acho que por causa disso. Éee, a
gente ia ir numa festa, um pouco antes da Pandemia, uma das últimas festas que a
gente ia ir, era uma festa em Belo Vale, acho que chama bairro de Santana, não sei
o nome do lugar. A gente se arrumou, levantou normal no dia se arrumou pra ir, só
que quando a gente subiu pra pegar o ônibus para ir, o ônibus que veio pra a gente,
tipo assim, estava praticamente aos pedaços, tipo assim, a Serra pra ir pra Belo Vale
ela é uma Serra muito pesada né a gente não se sentiu seguro de entrar dentro
daquele ônibus, então assim aquela emoção que a gente tava antes de sair, pra
arrumar, pra poder tá indo, seria a primeira vez que a gente iria nesse lugar, tipo
assim aquilo ali, acabou sendo muito ruim a gente acabou cancelando a nossa visita
a esse lugar. A gente ligou para o Capitão de lá, falou que a gente não iria devido a
esse motivo que não mandaram um ônibus qualificado pra gente poder tá indo e
nisso a gente voltou aqui pro reino tipo “murchinho”, éee eu lembro que eu e um
primo meu, que também é Caixeiro , a gente foi os primeiros a pisar aqui dentro do
reino, se a gente tava com as caixas no ombro, porque ficou tipo assim pensando ,
porque que isso aconteceu a gente tava animado para ir pra mais uma festa, e nisso
aquilo me deu uma emoção muito grande que eu comecei a cantar a música do Pai
Nosso, a música que minha avó sempre canta é a música do Pai Nosso e comecei
a tocar… e nisso aquilo que eu fui começando a chorar em cima da música e fuii
cantando e cantando, e nisse meu primo começou a me acompanhar, começou a
tocar também e cada pessoa da nossa guarda que entrava no portão, vinha
interagindo junto e aquilo acabou a gente fazendo uma, uma oração aqui a gente
mesmo dentro de casa, então assim eu fico assim pensando assim se a gente
tivesse ido e e entrado naquele ônibus será que não poderia ter acontecido alguma
coisa mais séria? Será que Deus falou para a gente assim não, não vai mais nesta
festa fica quietinho em casa, mas aquele momento eu senti uma emoção muito
grande eu chorei bastante!!! Chorei e ia cantando a música do do Pai Nosso e eu
acho que foi um dos momentos assim que eu me senti mais triste por não ter ido não

deve ter ido a uma festa de Congado, porque nunca tinha acontecido e toda festa
que a gente falava que a gente ía, a gente conseguia ir, e essa festa a gente não
conseguiu, então a gente chegou aqui e foi dando uma emoção que tava todo
mundo animado pra ir e de repente, todo mundo “murcho” meio triste, pessoal que
veio, veio de longe pra poder tá indo, tá indo com a gente e a gente não foi, então eu
acho que nesse momento, nesse momento foi mesmo tempo que foi ruim foi bom
porque a gente se manteve aqui durante um bom tempo, cantando as músicas do
Congado, fazendo oração, então, acabou sendo um momento que ao mesmo tempo
foi uma coisa ruim foi uma coisa boa também né, mas foi muito, foi muito
emocionante.

Adalgisa: E a conexão forte entre vocês, né!
Júlio: Nossa!
Adalgisa: Bem marcada assim!
Adalgisa: Uhum!
Júlio: Aí, esse momento, veio na minha cabeça, aqui agora, foi bem, bemm…sei lá!
meio assim né!
Brisa: Bacana!

LIVRO “30 ANOS DA GUARDA DE CONGO E SÃO BENEDITO E NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO”

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